Sem representatividade: Montes Claros vive carência de equipes profissionais no futebol

Em 2018, Montes Claros ficou em sexto na Segunda Divisão do Mineiro — Foto: Montes Claros/Divulgação
Em 2018, última equipe profissional encerrou a participação no Campeonato Mineiro em sexto lugar

A chegada do ideal esportivo no seio da sociedade montes-clarense se deu pelo viés de um modelo emblemático: o futebol; como referenciam os autores do artigo “História do Futebol em Minas Gerais”, publicado em 2014. Se esse esporte é tão querido no Brasil inteiro, aqui no sertão norte-mineiro, onde os campeonatos rurais e amadores movimentam toda uma comunidade não é diferente. Pensando pela vertente da profissionalização, Montes Claros, segundo dados, é um município com potencial pouco explorado e sofre com a falta de representatividade.

A última participação de uma equipe local em competição profissional ocorreu em 2018, com o Montes Claros Futebol Clube, o Bicho. Uma pesquisa de 2020 da consultoria Pluri mostrou que, à época, os 650 times que disputaram competições oficiais no Brasil em 2019 estiveram em apenas 422 dos 5.570 municípios, somando apenas 7%. Com isso, cerca 90% das cidades não possuíam clubes profissionais e acarretou procura das pessoas por outro meio de entretenimento.

Foto: Consultoria Pluri

Ainda consoante a Pluri, o potencial pouco explorado atrasa a profissionalização do futebol nos grandes centros.  Montes Claros, inclusive, foi citada como um dos exemplos. Para se ter uma ideia, 106 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes não contaram com nenhuma equipe disputando competições profissionais no ano em que o levantamento foi feito. São Paulo concentrou 40 deles, seguido por Minas Gerais com 13 e Bahia, com 10.

Ao todo, conforme as informações da consultoria, 24 municípios com mais de 200 mil habitantes no Brasil ficaram sem clubes profissionais de futebol, nove deles com mais de 300 mil; outros perduram até hoje: Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, era o município brasileiro com maior número de habitantes (702.298) e não teve projeto em atividade em 2019.

Ananindeua, em Goiás-GO, aparece em segundo lugar no ranking com 530.598 habitantes e nenhum clube profissional que atuou em 2019, seguido pelo muncípio norte-mineiro, com 409.341 e na terceira colocação.

CARÊNCIA DO FUTEBOL EM MONTES CLAROS

Ateneu em 1979, na elite do Mineiro

Em conversa com representantes dos principais clubes e que estão envolvidos no cenário esportivo montes-clarense, é a falta solidez que impede a sequência das propostas.

“Primeiro, porque todos os projetos e todas as ideias de se trabalhar com o futebol profissional em Montes Claros foram feitos muito mais pela paixão, muito mais amadora, pelo desejo de representar a cidade do que pela organização e planejamento. Isso contribuiu para gerar um descrédito em todos aqueles clubes, pessoas, torcedores e diretores que queiram investir no futebol por ficar a ideia de que é um projeto de baixa longevidade. Entra para disputar o campeonato um ano, depois desmonta o time. No outro,  não sabe nem se tem continuidade, se vai disputar ou não”, revela o diretor de Relações Públicas da Associação Desportiva Ateneu, Cássio Aquino. O Ateneu segue inativo e, no momento, trabalha com as categorias de base.

Consultado pelo portal, Cássio acredita que essa instabilidade gera descrença de patrocinadores, da população e cobra apoio dos órgãos administrativos. Ele pensa que é uma oportunidade de valorização da cidade, de desenvolvimento e divulgação, além a geração de empregos e renda,  movimentando hotéis, colaboradores,  vendedores ambulantes e vendas de camisa.

“O futebol não pode depender do poder público, mas a participação efetiva ajuda bastante. Contribui, motiva, estimula e ajuda na captação de investidores, de patrocinadores, de empresas que possam participar do projeto. É contribuir com a participação, de estar do lado, incentivando, ajudando a buscar recursos e parceiros. Isso é um dos fatores que contribuíram negativamente para que o futebol de Montes Claros não se alavancasse”, enfatiza.

Marlon Araújo, que está à frente Cassimiro de Abreu como presidente interino, relata ser uma lacuna muito grande, pois, os torcedores locais são amantes do futebol.  “Muitos se perguntam o porquê que em Montes Claros, uma cidade polo com quase meio milhão de habitantes, não tem um time de futebol. Este questionamento é uma interrogação que se estende por muitos anos. Nós já tivemos a oportunidade de estar e de participar de competições, inclusive tivemos na década de 90 o Montes Claros Futebol Clube, que esteve na primeira divisão do Campeonato Mineiro e participou da Série C do Brasileiro”, destacou.

Ele recorda do prazer em ir a campo, ver jogos de tirar o fôlego e notar a passagem de atletas que marcaram época. Marlon espera que haja uma nova ideia por meio das empresas com a sociedade anônima.

“Temos esperança de que pessoas sérias e competentes possam de fato assumir alguma instituição na nossa cidade. Tanto para assumirem quanto atender o próprio Montes Claros para que o futebol possa retornar e, claro, com apoio daqueles que de fato estão à frente do poder público. Não é fácil, depende muito do dinheiro. Se não tiver, de fato, não vai acontecer em lugar nenhum no mundo. Precisamos de pessoas sérias para apoiar esse espaço”, reforça.

E O ESTÁDIO? 

O sonho de concluir a obra do Mocão, anunciada há quase 60 anos, ainda é vivo no imaginário daqueles que são apaixonados pelo esporte. O lançamento da pedra fundamental do Mocão ocorreu em 1965, durante a gestão do ex-prefeito Pedro Santos. A construção, por sua vez, foi idealizada pelo o ex-vereador Aristóteles Mendes Ruas.

Denarte D’ávila é ex-atleta, grande apoiador e divulgador do esporte local, lembra de um dos principais oponentes da manutenção de um time na região. Para ele, o retrocesso se deu pelos interesses eleitoreiros, falta de credibilidade, estádio adequado e apoio de todos.

“Montes Claros a referência no norte de Minas, com 420 mil habitantes. A ausência de um estádio é o maior adversário. Era para ser construído nos anos 70. Nossa cidade carece de um futebol profissional, sem aventuras e com dirigentes comprometidos. Um estádio para 10 mil torcedores, seria o ideal.  Sem dúvida, a união de todos os segmentos e fortalecimento das categorias de bases, teremos um futebol permanente. Torcida que prestigia temos”, frisou Denarte.

Como conta o jornalista esportivo Christiano Jilvan, que deu os primeiros passos na profissão no Jornal de Notícias lá em 1996, esse hiato tem um porquê.

“Além de não ter essa cultura de organização prévia e os projetos serem permanentes, tem a questão do estádio. Os times que disputam não têm. Eles ficam à mercê do aluguel para jogo e treinamento, além de outros campos para manter o treinamento. Pesa uma cidade distante, que não tem CT e depende dos outros. É um contratempo”, prosseguiu.

DE LÁ PRA CÁ: HISTÓRIA DO FUTEBOL EM MOC

Trocadilhos infames à parte, “reza” a lenda que os primeiros chutes em Montes Claros foram no grande largo em frente à Igreja Matriz, onde justamente nasceu a cidade. “Soube disso numa conversa com o amigo Gino Neto, exímio pesquisador da memória do futebol local, a partir, principalmente, de relatos da imprensa da época, mas, antes disso, a partir de documentos e fotos. Os dublês de “craques” jogavam de batina: eram padres que chegaram aqui vindos dos grandes centros do País. Mas, a data deste esboço de futebol em pleno sertão mineiro não se tem a informação correta”.

Mas, linha de tempo com precisão, lembremos que o primeiro time de futebol fundado na cidade foi América Foot Ball Club, lá nos idos de 1916, com o uniforme predominantemente branco. O precursor local merece uma abordagem especial no livro “O Foot-Ball no Sertão Mineiro – a história do sport bretão nos claros montes das geraes”, co-autoria dos professores Regina Célia Lima, Georgino Jorge de Souza Neto e Luciano Pereira da Silva, lançado pela Editora Unimontes.

E sabe como foi a estreia deste América local? Contra ele mesmo, acredite! América A x América B, já que não havia adversário na cidade.

Ao folhear outras páginas da história do futebol montes-clarense, Jilvan chega à década de 1960, quando havia seis times no campeonato amador local, alguns com potencial de título como Cassimiro, Ateneu e Ipê e outros como coadjuvantes incômodos, como o Ferroviário e o Bahia. Em meados dos anos, foi criada a primeira versão de um torneio regional norte-mineiro, que teve o Cassimiro de Abreu como campeão duas vezes, em anos alternados.

A partir daí, como melhor time do Norte de Minas, o Mais Querido alimentou a ideia da equipe disputar uma competição estadual, a partir do convite que veio da Capital. Sob o comando de um militar (Coronel Guilherme), a Federação Mineira criou o torneio Santos Dumont como forma de se popularizar pelo interior. O convite foi feito às equipes campeãs locais e regionais.

Logo, segundo Jilvan, o Cassimiro topou a ideia, mas sem dispor de estrutura, que era toda amadora. Os jogadores, segundo ele, tinham contratos fictícios, para poderem ser registrados na federação. Mas, na verdade, não chegavam a receber. Felipe Gabrich, jornalista esportivo que faleceu aos 73 anos após infarto fulminante, confidenciava ao amigo o que era o chamado de profissionalismo marrom, onde contratos eram considerados de gaveta.

Christiano prossegue e acrescentou que o máximo que poderiam fazer era comer e beber à vontade, viajar e conhecer as pessoas. Com isso, alguns dos atletas foram revelados para o Atlético Mineiro, Cruzeiro, América Mineiro; e o Norte de Minas começou a exportar talentos para os grandes clubes da capital.

“Essa mentalidade foi cultivada pelo interior nas décadas seguintes, no final dos anos sessenta e, depois, nos setenta até oitenta. Os clubes não se estruturavam muito para poder disputar um campeonato. Até porque não se exigia muito dos clubes em relação à qualidade de estádio. Havia um romantismo de você estar disputando um Campeonato Mineiro, mesmo sem condições de até de brigar por um título,  mas de você colocar a sua cidade em evidência” descreveu Jilvan.

O jornalista diz, ainda, que os trabalhos eram realizados mais pelo romantismo e beirava o amadorismo. Por exemplo, arrumar o time e a estrutura, na véspera das competições. Com o passar do tempo, o futebol se profissionalizou, tornou-se mais exigente quanto ao preparo físico e condicionamento.

“O Ville, naquela época, já tinha profissionalismo diferente, já havia o direito de transmissão, de televisão,  cota, patrocínio máster, imprensa mais envolvida na cobertura. Para emplacar uma foto de um time de futebol na primeira página, era um grande feito. O Montes Claros fez uma campanha excelente, contratou jogadores que já haviam passado por grandes clubes do Brasil: o Odair do Palmeiras e Seleção Brasileira,  o Gilson que jogou no Grêmio, Vanderlei do Atlético, o Éder Aleixo também da seleção, do Atlético, Cruzeiro, Palmeiras e Grêmio. Foi um grande diferencial que se pode observar nesse histórico do futebol de Montes Claros.”, recorda.

Em 1997, a façanha levou o clube a disputar as quartas de finais contra o Cruzeiro. Ainda naquele ano, participou da terceira divisão do Campeonato Brasileiro, e caiu nas quartas.

ESPERANÇA PARA OS TORCEDORES

No último dia 25 de maio, foi realizado o Conselho Técnico para definir as diretrizes do Campeonato Mineiro – Segunda Divisão (Série C). A competição terá início no dia 06 de agosto e terminará no dia 12 de novembro.

Para este ano, a novidade está na forma de disputa. Desta vez, as 24 equipes participantes serão divididas em três grupos, com oito times jogando entre si em turno único. Após o fim da primeira fase, os quatro melhores passam próxima etapa, disputada em mata-mata, jogada em partidas de ida e volta. A equipe do Montes Claros aparece como novidade na lista de inscritos e caiu na chave 1. Confira como ficou a divisão:

Grupo 1: Montes Claros, América-TO, Novo Esporte, Ideal, Contagem, Valériodoce, Boston, Juventus; Grupo 2: Poços de Caldas, Santarritense, Três Corações, Passos, Villa Real, Bétis, Itabirito, Figueirense; Grupo 3: Mamoré, Araxá, Paracatu, Inter de São Gotardo, Inter de Minas, Serranense, Coimbra e Nacional

Dessa forma, os quatro mais bem classificados da primeira fase fazem uma pausa na rodada inicial do duelos e aguardam os oito demais se enfrentarem e conquistarem as vagas para as quartas de final.

Ficou definido, ainda, pelos clubes que neste campeonato poderão ser inscritos atletas com idade até 23 anos e apenas cinco que estejam acima dessa faixa etária, além de votarem por dividir as taxas igualmente entre deles.

Equipes participantes em 2022: 

América Futebol Clube – TO

Araxá Esporte Clube

Associação Desportiva Internacional de Minas

Associação Esportiva Paracatu

Atlético Clube Três Corações

Bétis Futebol Clube

Boston City Futebol Clube

Clube Atlético Serranense

Coimbra Esporte Clube

Contagem Esporte Clube

Esporte Clube Mamoré

Esporte Clube Villa Real

Figueirense Esporte Clube

Ideal Futebol Clube

Inter de São Gotardo

Itabirito Futebol Clube

Juventus de Minas Novas

Montes Claros Esporte Clube

Nacional Futebol Clube

Novo Esporte Clube Ipatinga

Passos Futebol Clube

Poços de Caldas Futebol Clube

Santarritense Futebol Clube

Valériodoce Esporte Club

Gian Marlon
Jornalista de formação pelas Faculdades Integradas do Norte de Minas - Funorte, em 2019. Natural de São Francisco-MG, tem passagens por algumas redações de jornais, sendo TV, impresso e portais. Fã de esportes, animes e música.