Minas Gerais teve 1.070 pessoas resgatadas em situação de trabalho análogo ao de escravos em 2022, o que corresponde a 41% do total de 2.575 trabalhadores encontrados nestas condições degradantes no Brasil inteiro neste período. Com estes dados, Minas chegou à triste média de 3 trabalhadores resgatados por dia em locais insalubres, com jornadas exaustivas, salários baixos e sem os direitos trabalhistas respeitados.
As operações de combate ao trabalho escravo são realizadas em conjunto pelo Ministério Público do Trabalho (MPT/MG), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público Federal (MPF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal (PF). No total foram realizadas 117 operações em Minas Gerais no ano passado.
E o ano de 2022 já começou com um resgate de grandes proporções no Estado: 271 trabalhadores foram encontrados em situações precárias em três fazendas de produção de cana de açúcar, que abastecem uma usina na região de João Pinheiro. Eles trabalhavam debaixo de sol forte, sem sombra e sem local próprio para fazer as refeições. Para almoçar, os funcionários se sentavam no chão de terra e apoiavam as marmitas em uma das mãos ou nas pernas.
A fiscalização também visitou os alojamentos onde estes trabalhadores moravam, na cidade de Varjão de Minas. Os quartos estavam superlotados, não tinham móveis além das camas e os banheiros eram precários. Durante esta operação, foram quitadas as verbas rescisórias que ultrapassaram a marca de R$ 5 milhões. Cada trabalhador foi indenizado a título de reparação por danos morais individuais e a empresa pagou mais uma indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 400 mil.
Os empregadores firmaram Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) assumindo obrigações de adequar as condições de trabalho no empreendimento para receber futuros empregados. Os trabalhadores resgatados voltaram para os seus Estados de origem – Paraíba, Piauí, Pernambuco, Maranhão e Bahia – com despesas pagas pelos patrões.
Trabalhadores resgatados em alojamento onde funcionou funerária
Outra operação marcante em Minas Gerais no ano passado ocorreu entre os dias 22 de agosto e 1º de setembro, quando 207 trabalhadores foram resgatados em cidades próximas a Patos de Minas e Araxá, no Alto Paranaíba, e também perto de Pouso Alegre e de Poços de Caldas, no Sul de Minas.
Os empregados eram submetidos a condições degradantes de trabalho e moradia em colheitas de café, batata, alho e palha de milho. E parte deles morava num alojamento onde já funcionou uma funerária. “O resgate mais expressivo ocorreu, no dia 26 de agosto, em relação a 74 trabalhadores, oriundos do Maranhão, que estavam submetidos a condições degradantes, tanto nas frentes de trabalho – em razão de questões ergonômicas relativas à atividade de colheita de alho -, quanto nos alojamentos. Eles estavam em duas moradias no município de Santa Juliana, sendo uma delas um local improvisado em que, no passado, já funcionou uma funerária. Um imóvel completamente inadequado, onde os banheiros e a cozinha praticamente se fundiam. Lá, foram resgatados 43 trabalhadores”, relata o procurador do Trabalho, Thiago Lopes Castro.
Em outro imóvel onde os trabalhadores moravam, o problema maior era a instalação do sistema de energia elétrica. “No segundo alojamento, onde estavam 31 pessoas, as condições também eram muito precárias, com destaque para a existência de “gato” nas instalações elétricas com iminente risco de choque elétrico. Nos dormitórios, não havia ventilação adequada em boa parte do local, já que as únicas janelas disponíveis ficam de frente para as paredes de uma delegacia construída imediatamente ao lado desses cômodos”, acrescenta.
Neste caso, segundo o procurador, o empregador fez um acordo e se comprometeu a pagar, além das verbas rescisórias, indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 500 mil, e indenização por danos morais individuais totalizando aproximadamente R$ 1 milhão, a título de reparação, para o grupo de 74 trabalhadores.
Número alto de resgates em MG
Apesar de quase metade dos resgates de trabalhadores em situações precárias no país ocorrer em Minas, o coordenador do Projeto de Prevenção e Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo em Minas Gerais e auditor-fiscal do Trabalho, Rogério Reis, diz que este índice não permite inferir que Minas Gerais é o Estado com maior incidência de exploração de trabalho análogo à escravidão.
“O diferencial em Minas é que temos uma política de enfrentamento de trabalho escravo mais consolidada. Nós temos um grupo específico de combate ao trabalho escravo organizado e em funcionamento desde 2013. Fomos os primeiros a constituir esse grupo que, além da atuação organizada, vem capacitando as Gerências Regionais do Trabalho para também fazerem resgate de trabalho escravo”, afirma.
Negociação com os empregadores
De início, a operação tenta um acordo com o empregador. Mas caso ele não seja encontrado ou não queira negociar, tem que responder na Justiça. “Nossa primeira iniciativa é a proposição de termo de ajustamento de conduta (TAC) por meio do qual buscamos a regularização extrajudicial e voluntária das irregularidades trabalhistas constatadas. Havendo resistência por parte do empregador infrator, o MPT ajuíza ação civil pública perante a Justiça do Trabalho”, explica o procurador do Trabalho, Thiago Lopes Castro.
Cidades com mais resgates
As cidades mineiras que tiveram os maiores números de resgates de trabalhadores em condições análogas às de escravos em 2022 foram Varjão de Minas (273), Santa Juliana/Ponte Nova (74), Iraí de Minas (54), Campos Altos (52), Guarda-Mor (35), João Pinheiro (31), São Gotardo (25) e Patos de Minas (21).
“Geralmente, são municípios com baixo índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Isso também ajuda a explicar o número de casos em Minas Gerais”, analisa Lívia Miraglia, professora da UFMG e presidente da Comissão de enfrentamento ao trabalho escravo da OAB-MG.
Os setores econômicos com maior incidência de exploração,no ano passado, foram o plantio de cana de açúcar, o cultivo de alho e a produção de carvão vegetal e de café. “Esses patrões, que não respeitam as leis, estão nas mais diversas atividades rurais, como carvoejamento, plantio e colheita do café, colheita de batata, cebola, alho, preparação de palha para fazer cigarros, mas também no ambiente urbano, como a construção civil, a mineração e, principalmente, no trabalho doméstico”, reforça o auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, Marcelo Campos.
Números de resgates no Brasil em 2022 foram os maiores desde 2013; confira
O número de resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão em 2022 no país foi o maior desde 2013, segundo o Ministério do Trabalho:
- 2022: 2.575
- 2021: 1.959
- 2020: 938
- 2019: 1.131
- 2018: 1.752
- 2017: 648
- 2016: 972
- 2015: 1.205
- 2014: 1.762
- 2013: 2.808
Desde 1995, quando o levantamento nacional começou a ser feito pelo Ministério do Trabalho, foram 60.251 trabalhadores resgatados.
Número de auditores fiscais tem déficit
Enquanto o número de pessoas resgatadas em condições degradantes mais do que dobrou nos últimos três anos, o Brasil tem um déficit de cerca de 1.600 auditores fiscais no Ministério do Trabalho. Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), a carreira da Auditoria Fiscal do Trabalho tem 3.644 cargos criados por lei.
No entanto, em 2022, conforme informações do Ministério do Trabalho, apenas 2.009 auditores fiscais estavam na ativa, distribuídos pelas 27 unidades da federação e na sede do Ministério do Trabalho, em Brasília.
[Ciom informações de O TEMPO]