Montes Claros registra crescimento nas internações por risco de suicídio

Centro de Valorização da Vida - Disque 188

Falar sobre suicídio continua sendo um grande desafio, mesmo que os números relacionados ao autoextermínio sejam alarmantes. Levantamento feito por meio do sistema Datasus revela que o número de internações nas unidades de saúde de Montes Claros, em razão do alto risco de suicídio, vem aumentando desde que os dados começaram a ser colhidos, em 2012. Considerando os registros consolidados apenas no primeiro semestre de cada ano, o número praticamente triplicou de lá pra cá: em 2013, aconteceram 19 casos; em 2019, foram 74, a maior quantidade apontada desde que o sistema começou a colher essas informações. Em 2017 e 2018, os números foram de, respectivamente, 43 e 51 internações por alto risco de suicídio.

O registro técnico do Datasus fala em “tratamento clínico em saúde mental em situação de risco elevado de suicídio”. Mas esses não são os únicos números que causam preocupação. Levantamento junto aos registros de forças de segurança e saúde pública, como Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, unidades de saúde e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), aponta que as ocorrências de tentativas e mortes por suicídio também aumentaram. Em 2017, foram registrados em Montes Claros, ao todo, 85 tentativas e 24 mortes por suicídio. Em 2018, o número de tentativas quase dobrou, chegando a 134 registros. Em 2018 também houve uma morte a mais que em 2017. Em 2019, até o mês de setembro, foram notificadas 101 tentativas de suicídio e 19 mortes.

Para o psiquiatra Geraldo Dantas de Souza, embora os números sejam fundamentais para a avaliação da situação, o tempo histórico ao qual eles se referem é curto. Segundo ele, para entender esses números, é preciso, ainda, ler o contexto em que estão inseridos, inclusive com recortes de classe e de gênero. “Vemos na literatura que isso tem relação com o sofrimento mental: a ideação suicida com o lugar que essa pessoa ocupa na sociedade. Então, o dado em si é importante. Mas ele também precisa ser comparado com outras realidades, como o mundo e o próprio País. Essas são pesquisas difíceis de serem feitas. Mas o que interessa é que se uma pessoa tenta ou morre por suicídio, já precisamos estar atentos”, explica.

Segundo Dantas, além da tendência de aumento das notificações, ainda há que se lembrar da subnotificação. “De qualquer forma, a conclusão a que se chega é que o atendimento em saúde mental ainda é precário, porque a maior parte dos casos está relacionada a transtornos mentais. Quando falamos de prevenção, necessariamente, estamos falando de tratamento desses transtornos mentais”, afirma o especialista.

Suicídio durante a juventude 

Outra informação do levantamento conjunto das forças de segurança pública é a de que os jovens entre 19 e 30 anos estão entre os que mais morrem por suicídio. A situação desse grupo, segundo Geraldo Dantas, chama a atenção porque demonstra que a população jovem está desprovida de assistência. “O nosso sistema de saúde ainda não está capacitado para perceber as necessidades dessa população. Na grande maioria dos casos, eles avisam, dão sinais, procuram tratamento. Mas os jovens ainda não conseguem acessar essa assistência”, relata.

Por outro lado, o psiquiatra frisa que há uma grande quantidade de jovens marcados por violências de faltas de acesso. “Há inúmeras formas de ser jovem, ainda mais no Brasil. Mas há pontos sobre eles que convergem, guardadas as especificidades de raça, classe e gênero. Há uma dificuldade de possibilitar projetos de vida mais interessantes para esses jovens. Levando em consideração as taxas de desemprego e o fato de que, de 2017 para cá, o público mais afetado pela falta de emprego é o jovem, podemos perceber que há uma falta de perspectiva para ele”, aponta Dantas.

Ainda de acordo com ele, é preciso considerar que há relação entre a ideação suicida e os sentimentos de apatia, isolamento, falta de perspectiva e desesperança – quando, por exemplo, as pessoas olham para o futuro e não conseguem projetar suas próprias vidas, o que pode provocar sentimentos e ideias não condizentes com a produção da vida. “Do ponto de vista psiquiátrico, o jovem está em um momento delicado de sua constituição enquanto sujeito, ou seja, na produção de sua identidade, tentando buscar respostas como: ‘quem eu sou?’, ‘o que estou fazendo aqui?’, ‘para onde vou?’… Ele tem incertezas sobre o que vai fazer, se vai conseguir resolver os problemas que foram colocados, e vejo que há um problema que nós temos que resolver”.

 Atendimento e tratamento em saúde mental

Quando se fala em atendimento e tratamento em saúde mental, a ideia inicial é de que as pessoas necessitam de intervenção farmacológica. No entanto, para o psiquiatra Geraldo Dantas, esse atendimento quer dizer acesso à saúde mental, o que vai influenciar na melhora na qualidade de vida desse indivíduo.

“É preciso estar atento à população, olhar atentamente para as pessoas. Com as campanhas, elas entendem que é preciso cuidar da saúde mental. Mas essa preocupação não pode ficar restrita ao mês de setembro (quando acontece a campanha nacional Setembro Amarelo), tem que estar em todos os outros meses do ano, mas voltada para o atendimento”, afirma o psiquiatra.

Independente dos números, tudo o que envolve a saúde mental, em geral, mobiliza uma rede: familiares, amigos, escola, ambiente de trabalho. As pessoas que passam por algum tipo de sofrimento mental, conforme lembra Geraldo Dantas, apresentam muita vergonha de falar a respeito, de expor o que estão passando, e a tendência é ocultar, “pois estamos cada vez mais convidados ao silêncio, evitando tocar em temas que desagradem o estado atual das coisas”. Desse modo, é difícil ter uma dimensão real do alcance e do impacto desses problemas. Mas, segundo o psiquiatra, olhar para a vida real pode ser um primeiro passo.

Ele relembra que como seres falantes, precisamos falar, elaborar sobre as situações. Nesse sentido, é preciso que as campanhas e as ações no sentido da saúde mental tragam muitos outros temas à tona, que estão sendo jogados para debaixo do tapete. Além disso, também é preciso falar de condições de vida. “Como as pessoas estão conseguindo desenvolver seus projetos e realizar seus sonhos? Se elas não conseguem sonhar e projetar suas vidas, sem perceber sua capacidade de criação, falamos de um sujeito inerte, que fica esvaziado de sentido”.

É preciso lembrar ainda que o sofrimento é inerente à experiência humana, mas que, diante disso, há estratégias de cuidado de si e do outro, o que, na visão de Geraldo Dantas, é exatamente o que falta. “Temos no campo das políticas públicas uma deficiência grande em oferecer serviços. Dificuldade de acesso aos cuidados também tem relação com a ideação suicida, é um dado importante. Pessoas que precisam de cuidado e não o têm, estão, portanto, em maior vulnerabilidade. Neste momento, pensar em estratégias de cuidado, de si e do outro, é importante, porque o cuidado fica esvaziado à medida em que a gente é colocado com um ser isolado”, relata Dantas.

Para além disso, como forma de ampliar esse debate, é preciso projetar perspectivas coletivas a respeito do que queremos para o mundo.Por outro lado, o psiquiatra ressalta a importância de também inserir a discussão sobre o excesso de medicalização, diagnósticos e patologização do sofrimento. “Quando falo que precisamos discutir mais o suicídio seria a forma como ele é tido na saúde mental. Porque há, de modo geral, um discurso muito patologizante, no sentido de sentimentos e experiências humanas que não são as mais agradáveis, onde podemos confundir o que é um sentimento de tristeza e de não estar bem em algum momento com uma patologia, e, isso, a sociedade também consome. O senso comum absorve esse aspecto sem filtros importantes”.

Muitas pessoas ainda não têm clareza sobre o sofrimento que vivem. Desse modo, pensando nas relações mais próximas, o que se pode fazer para contribuir é tentar estar mais atento a quem está à nossa volta e a nós mesmos. Nesse sentido, segundo o psiquiatra Geraldo Dantas, ajuda profissional é bem-vinda. “Temos que superar esse tabu de que procurar um psicólogo, um psiquiatra ou qualquer outro profissional relacionado à saúde mental é sinal de fraqueza, ou se taxar de louco, como algo pejorativo. A normalização de todos é que provoca o adoecimento. É bom dar atenção a quem apresenta dificuldades e não ter vergonha de socializar isso, mas fazendo com diálogo, afeto, ética e respeito”.

Precisa de ajuda? Ligue para o Centro de Valorização da Vida: 188

**Escrita pelo repórter Ricardo Arruda.