A Fundação nasceu com a ideia de promover as artes, a cultura e a literatura de Salinas, resgatar o passado e dar-lhes um espaço na capital nacional da cachaça.
Pois, se o passado nos é fundamental, isto se deve à sua capacidade de nos lançar em direção ao futuro, daí afirmar que “o passado e o futuro são duas margens de um mesmo Rio”.
Agora imagine que você está em uma máquina do tempo e pode viajar para o passado ou futuro.
Essa coluna é como essa máquina do tempo, nos permitindo conhecer outras realidades e expandir nossa visão da Cadeia Velha, da Fundação de Cultura e de Salinas.
Ela nos fala sobre a história, a cultura e as tradições do nosso povo.
Todo o exercício de recordação deve ser também um ato de renovação.
Pelas frestas das janelas da Cadeia Velha, a cultura tem que dialogar com o exterior, hoje Fundação de Cultura e disseminar a arte, com atividades de literatura, fotografia, música, escultura e pintura.
Portanto, memória e criatividade não são uma dualidade conflituosa, mas ao contrário, constituem um mesmo processo por meio do qual damos vida ao hoje, e nós oferecem insights profundos sobre a natureza humana.
Eu poderia conduzir vocês, por meio de uma narrativa de cunho pessoal, a uma reflexão sobre a relação entre a cadeia e o meu tempo.
Passeio sozinho pela Praça da Cadeia Velha, com um olhar ingênuo para as coisas, como poeta tornar-me um viajante no tempo e voltar a ser criança.
Brincávamos de bola, e assistíamos os presos nas janelas observando nossa pureza de criança, para depois irmos tomar banho no Rio Salinas.
Indiferente a dor, a história de cada um dos presos, a gente brincava e sorria.
Lá longe alguém sofria, a dor daqueles filhos presos.
O entorno da cadeia velha era o encontro de amizade, mesmo com sofrimento que não imaginávamos, tudo era lindo: a graminha que crescia entre pedras, a bola, a simplicidade desses personagens, a imaginação e as brincadeiras.
E os presos em momentos de profundo desamparo, são personagens que compartilharam conosco parte de suas histórias.
Sei de tantas histórias deste lugar.
Lembro de quantas pessoas aí de dentro desejou a liberdade, não desfrutada apenas por aqueles que erraram ao sabor da vida.
Vocês podem está pensando: conta-nos, então, a história do porão da cadeia de onde saiam gemidos.
E, acrescentar, que o primeiro preso nesta cadeia, era visitado pela divindade da lua, que se ocupava dos ciclos do tempo.
Portanto, a cadeia nasce com a necessidade de tirar a liberdade, e a Fundação de Cultura nasce com a necessidade de tirar a prisão.
Aqui, a construção da memória é considerada uma viagem errática propiciada pelos presos que ali ficaram.
Conheço um homem que evitava passar naquela praça.
Já para aqueles que a cadeia funciona como a metáfora do tempo, caminho entre a prisão e a liberdade, a viagem pelas águas da memória exige um veículo que direcione a viagem do tempo.
A segunda concepção, conseguinte, não é da memória, pretendo me proteger do caos, a Cadeia Velha vira Fundação de Cultura.
Sou herdeiro do ontem e dono do presente numa viagem para o futuro, e falar pra vocês da necessidade de reencantarmos pela vida, tomando como exemplo o olhar puro das crianças e dos poetas.
Se o caminho a ser percorrido já está traçado da prisão à liberdade, não há o que criar, e a viagem pelas malhas da memória é sempre a repetição incansável deste já traçado roteiro de viagem.
Passo agora à outra narrativa.
Aqui, a Cadeia me faz voltar à minha infância e a um acontecimento que me fez compreender o que era de fato uma Cadeia.
Tive que acompanhar minha mãe, tive que frequentar esta Praça que ali estava um homem preso que cumpria uma grande pena.
Nesta Cadeia havia uma janela que me intrigava, visto o pobre homem com o corpo preso dentro da Cadeia e as pernas em liberdade a abrir e fechar um livro insistentemente.
Até que um dia, desesperado diante da possibilidade da morte …
Só mais tarde iria entender que ali, pela primeira vez, estava a visitar uma cadeia.
Desta forma, nos ensina a poesia: não é a Cadeia que guarda os presos, mas antes guarda também histórias.
No entanto, acrescento, a Fundação de Cultura não se reduz a um prédio, a uma estrutura física. Indo ao encontro da poeta portuguesa Sofia de Mello, nos faz entender que a Cadeia é um lugar, lugar qualquer onde se cruzam e se tecem memórias.
Neste tempo de globalização, onde tudo é imediato, simultâneo, veloz, voraz e instantâneo, algo nos diz, revivam o ontem.
Por isso, se queremos fazer com que a Fundação de Cultura fique mais próxima das pessoas e participa da construção da cidadania, é necessário que se estabeleça como um espaço cultural vivo e atuante na capital nacional da cachaça.
Eu quero que esta minha coluna seja uma voz do povo salinense para o resto do mundo.