Há dias em que o despertador toca, a água do chuveiro cai, o café esfria na xícara… e tudo parece igual ao que sempre foi. Mas dentro da gente, nada mais é como era.
Voltar à rotina depois de perder alguém que amamos é, antes de tudo, um exercício de tradução emocional. A gente tenta transformar a saudade em memória boa, o nó na garganta em palavra, e o silêncio em significado.
A Língua Portuguesa, com toda sua riqueza, até nos empresta verbos para isso: reaprender, ressignificar, reconstruir. Todos com esse prefixo teimoso “re-”, que insiste em nos lembrar que é preciso fazer de novo…, viver de novo…, aos poucos, com tropeços e com pausas.
A volta à rotina é processo cheio de pequenas batalhas invisíveis: escrever um e-mail como se estivesse tudo bem, sorrir para o colega que pergunta “Tudo certo?”, e, responder com aquele automático “Tudo”. É aprender a conviver com o espaço vazio no meio da frase, da mesa, da vida.
Mas, aos poucos, a Língua da vida também vai mudando de tom. Uma lembrança vira motivo de riso no meio da conversa, uma música que antes doía agora soa como abraço. E a rotina, que parecia inimiga, vira tipo de corda que seguramos para atravessar o dia.
Se há lição linguística nesse luto cotidiano, talvez seja essa: algumas palavras só entendemos de verdade quando sentimos. Saudade, ausência, recomeço… E todas elas, um dia, dão lugar a uma que parecia impossível: leveza.
Então, se hoje você ainda acordou pesado…, tudo bem. Um dia de cada vez. E quando faltar força, lembre-se de que viver também é verbo de continuidade.