O Norte de Minas e a ilusão do Sudeste

Essa identidade, muitas vezes ignorada nas políticas públicas voltadas ao Sudeste, reforça a urgência de um olhar regionalizado, que reconheça as singularidades do território.

Oficialmente situadas na Região Sudeste do Brasil, microrregiões do norte de Minas Gerais, ilustram com clareza uma contradição persistente: estar geograficamente incluídas em uma das regiões mais desenvolvidas do país, mas viver uma realidade muito mais próxima ao Semiárido nordestino do que ao centro dinâmico do Sudeste.

Essa contradição não é apenas simbólica — ela se manifesta em dados concretos. Em 2010, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de Santo Antônio do Retiro, na microrregião do Alto Rio Pardo era de apenas 0,601, em Juvenília que integra a microrregião de Januária era de 0,594, em Verdelândia, na microrregião da Serra Geral, o quadro era pior ainda 0,584, valores considerados baixos por esse indicador e que os posicionavam como municípios mais vulneráveis do estado e do país. Os índices são de 2010, no entanto, não se percebe muito avanço de lá pra cá, dada a letargia administrativa. Essa condição se reflete também na educação: o IDEB de 2021 da cidade de Mamonas, por exemplo, ficou em 5,7 nos anos iniciais e Pai Pedro 3,5 nos anos finais do ensino fundamental, abaixo das metas estabelecidas nacionalmente e indicativo de dificuldades estruturais no processo de ensino e aprendizagem.

As deficiências se agravam quando observamos os dados de saneamento básico: apenas 15,53% da população de Rio Pardo de Minas, na microrregião do Alto Rio Pardo têm acesso a esgotamento sanitário — um número alarmante, sobretudo ao ser comparado à média mineira de 76,2%. No abastecimento de água tratada, muitos municípios não atendem a 55% de sua população. Isso evidencia não apenas uma disparidade técnica, mas um profundo abismo social que afeta diretamente a saúde, o meio ambiente e a dignidade humana.


No campo econômico, todos os municípios dependem de mais de 84% de receita de fonte externa, tendo, inclusive, cidade depende de mais de 95% de outras fontes. A população de maioria dos municípios continua fortemente dependente de atividades agropecuárias de baixo valor agregado, com pouca industrialização e oportunidades limitadas de emprego qualificado. A baixa renda per capita mensal reforça o quadro de vulnerabilidade, onde grande parte da população depende de programas de transferência de renda para sobreviver.

Além dos números, é importante considerar a identidade cultural e histórica do norte de Minas, fortemente conectada ao sertão nordestino em seus costumes, sotaques, manifestações culturais e relações de vida comunitária. Essa identidade, muitas vezes ignorada nas políticas públicas voltadas ao Sudeste, reforça a urgência de um olhar regionalizado, que reconheça as singularidades do território.

Verdade seja dita: municípios norte-mineiros não podem mais continuar à margem das políticas estruturantes de desenvolvimento. O pertencimento ao Sudeste precisa ir além da classificação geográfica: é preciso incluir essa região nas decisões, nos investimentos e na atenção do Estado. Ignorar essa realidade é aprofundar as desigualdades dentro de uma das regiões mais ricas do Brasil — e perpetuar uma dívida histórica com o sertão mineiro.