No último dia 13 de janeiro, foi sancionada, no Brasil, a Lei nº 15.100/2025, que proíbe alunos de usarem telefone celular e outros aparelhos eletrônicos portáteis em escolas públicas e particulares, inclusive no recreio e no intervalo entre as aulas. A norma busca combater o adoecimento causado pelo uso excessivo de telas, melhorar a concentração e o desempenho dos estudantes, além de favorecer a convivência saudável entre eles, os professores e toda a comunidade escolar.
Como órgão responsável por garantir o cumprimento das leis e os interesses da sociedade, caberá, a partir de agora, ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) fiscalizar também a execução dessa norma, zelando para que ela gere os efeitos esperados.
Na capital mineira, a preocupação com o uso excessivo de telas no ambiente escolar já havia levado o município a legislar sobre o assunto. Em julho do ano passado, foi sancionada a lei 11.715/2024, que instituiu a Campanha de Conscientização e de Prevenção à Nomofobia nas redes de ensino e de saúde de Belo Horizonte. Nomofobia é o nome dado ao medo ou ansiedade gerado pela falta de uso do celular, responsável por causar irritabilidade e prejuízos na vida da pessoa.
Para a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Educação (Caoeduc), promotora de Justiça Giselle Ribeiro de Oliveira, a lei federal de proibição do uso dos celulares nas escolas representa um avanço no auxílio à saúde, uma vez que estimulará crianças e adolescentes a permanecerem concentrados no processo de aprendizado, pelo menos durante o período em que estiverem nas unidades de ensino. “Não se trata de demonizar a tecnologia, até porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ressalta a importância da inclusão tecnológica, que será mantida, e a própria lei de proibição apresenta as exceções em que o uso do celular se faz necessário. Mas é preciso um controle para esse uso recreativo do aparelho, que acontece muitas vezes durante as aulas, nos intervalos e no recreio, trazendo prejuízos para o desenvolvimento dos estudantes”, analisa.
A coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça das Crianças e dos Adolescentes (CAODCA), promotora de Justiça Graciele de Rezende Almeida, também considera a lei necessária e avalia como importante a inclusão do período do recreio na norma, por conta dos danos que o uso indiscriminado do celular causa à socialização. “Se você franqueia o celular à criança no recreio, ela vai preferir ficar nas telas a brincar com os colegas. E o que já temos visto é a perda da capacidade imaginativa e de interação social por parte de muitas crianças e adolescentes. A lei vem contribuir para modificar esse cenário”, destaca.
Na avaliação da promotora, a parceria entre a família dos alunos e a escola será fundamental para que a nova lei produza os efeitos esperados. “A escola é apenas um dos espaços educacionais. A base da educação vem da família. Por isso, é preciso conscientizar os pais sobre a importância da medida e tê-los como parceiros. Muitas vezes, uma mudança que começa na escola pode levar toda a família a repensar e transformar um hábito”, afirma Graciele.
Complementando a fala da colega, Giselle Ribeiro chama a atenção para a necessidade de cumprimento das normas sociais de convivência e de imposição de limites para as crianças e os adolescentes. “Se hoje existe uma lei dizendo que não pode usar celular nas escolas, os pais têm que colocar essa questão para os seus filhos, agora não como uma opção de educação familiar, pois é uma lei de vigência nacional, que todos os estudantes são obrigados a cumprir. Compete aos pais fazer essa primeira conscientização”, alerta.
Políticas públicas
Graciele de Rezende lembra que, muitas vezes, um problema de comportamento de uma criança ou de um adolescente é reflexo do comportamento disfuncional da família e que é preciso cuidado para compreender melhor cada situação. “Não podemos generalizar a questão, esquecendo que cada família é uma e que o Brasil é marcado por uma imensa desigualdade social. Há mães e pais que não contam com rede de apoio, que não têm com quem deixar a criança, mas ainda assim precisam trabalhar”, observa.
Muitas vezes, segundo a promotora, a criança mora em um local tão perigoso que ela corre riscos maiores fazendo atividades na rua do que no celular. “Limitar o uso de telas em casa, sem uma alternativa, é muito difícil. Como órgão de defesa da criança e do adolescente, o MP tem a função de informar e fiscalizar, mas também precisa ter um olhar que não culpabilize. Precisamos de encontrar alternativas, criar as estruturas e garantir a existência de políticas públicas”, aponta.
Nesta mesma linha, Giselle Ribeiro informa que o acompanhamento das políticas públicas será a tônica do Caoeduc na atual gestão. “Buscar soluções, sempre que possível consensuais, mas soluções estruturais e estruturantes, ao invés de tentar resolver os problemas individuais. O nosso objetivo vai ser esse: trabalhar as políticas públicas, essas ações estruturantes”, ressaltou.
De acordo com a promotora de Justiça, é preciso que o MPMG acompanhe de perto as gestões municipais para garantir a continuidade das políticas da educação. “Não é porque mudou o governo que se deve mudar toda a estrutura ou interromper um projeto que está dando certo. Não importa se são ideologias partidárias diferentes. Tudo aquilo que beneficia a educação obrigatoriamente tem que continuar em andamento”, defendeu.
Para Giselle, acompanhar a elaboração dos planos plurianuais e das leis orçamentárias dos municípios é fundamental para garantir que as verbas da educação e das crianças e dos adolescentes sejam contempladas corretamente, conforme estabelecido pela Constituição Federal. “É uma questão importante, porque sem dinheiro, o município não consegue investir no aumento de rede e na melhoria do atendimento. São questões dispendiosas, e a hora de garantir que isso aconteça nos próximos quatro anos é agora”.
Diversidade e inclusão
Durante a entrevista, as promotoras de Justiça também defenderam a diversidade, não apenas como marca social e princípio constitucional, mas também como direito de todo indivíduo de conviver com o diferente. Elas lembraram que o Brasil tem uma política educacional bastante inclusiva, que busca promover a convivência de todos os alunos na rede regular, na mesma sala de aula, com os mesmos professores, mas com o suporte adequado aos estudantes que apresentarem necessidades educacionais especiais.
De acordo com Giselle, não é qualquer dificuldade de aprendizado que implica, necessariamente, na adoção de uma ação educacional especial. Cabe ao Ministério Público, segundo ela, quando provocado, verificar onde existe necessidade de atendimento especializado e garantir o direito à educação. “Mesmo que os responsáveis não busquem esse atendimento, se o MP tiver conhecimento do caso, ele deve atuar, porque é o papel da instituição trabalhar para que a lei seja cumprida e para que todos possam viver com diversidade”, explica.
A promotora esclarece, também, que a lei brasileira de educação fala em equidade, não em igualdade. “Às vezes, a pessoa precisa de ferramentas a mais ou a menos. Nem sempre essas medidas são para alguém que tenha uma dificuldade. Podem ser também para alguém que tenha uma facilidade, como pessoas superdotadas”.
Ainda sobre inclusão, Graciele salienta que o Estado deve garantir não apenas o acesso de todas as pessoas à educação, mas também a permanência. “Não basta matricular uma criança ou um adolescente que tenha necessidade especial. A escola precisa garantir que essa pessoa tenha instrumentos para permanecer ali, com condições de efetivo aprendizado. Na prática, sabemos dos desafios existentes, como falta de preparação das unidades de ensino, dos professores, a questão salarial, salas superlotadas, indisciplina, entre outros”.
Bullying e outras violências
Os diversos tipos de violência presentes nas escolas e que comprometem o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, como o bullying, o racismo e a violência de gênero, também são uma preocupação do MPMG, apontam as promotoras de Justiça.
De acordo com elas, é preciso um envolvimento de toda a sociedade no combate a essas práticas. “Toda violência sofrida causa um impacto negativo no desenvolvimento da criança e do adolescente e repercute em toda a sociedade. As violências de gênero e racial são estruturais e vão deixando marcas na pessoa, dificultando, inclusive, que ela alcance os objetivos da vida, como a felicidade. Por isso, é papel do Ministério Público combatê-las”.
Giselle Ribeiro lembra que o MPMG conta, atualmente, com dois projetos voltados ao enfrentamento da violência nas escolas. Um deles é o Ginga, desenvolvido em parceria com a Secretaria de Estado de Educação, o Instituto AGÔ e a Plataforma Semente, e que busca construir uma cultura antirracista nestes espaços. O outro é o Com Viver, realizado junto às Secretarias de Estado de Justiça e Segurança Pública e de Educação, com o objetivo de enfrentar o bullying e o cyberbullying, discursos de ódio, entre outros tipos de violência.
Convivência democrática
As promotoras de Justiça salientam que a participação de toda a comunidade escolar no dia a dia da instituição é fundamental para enfrentar os problemas existentes. “Cumprir as leis e o regimento da escola é o mínimo esperado. “É preciso mais do que isso. É preciso engajamento, carinho, amor pela escola”, afirmam.
Graciele observa que, na época de rematrícula, há sempre uma corrida por vagas nas instituições com fama de “boas”. Porém, escola boa, segundo ela, é aquela que possui uma comunidade escolar forte, em que alunos, professores, diretores, pais e funcionários abraçam a instituição. “Quando falamos de parceria, estamos falando do fortalecimento da comunidade escolar. Os pais precisam ir para a escola, conhecer o político pedagógico dela, participar da implementação, lutar, inclusive, pela questão salarial dos professores. E os diretores precisam acolher esses pais e ouvir todas as vozes”.
Para Giselle e Graciele, a convivência democrática é o caminho para solucionar os problemas das escolas e, consequentemente, inúmeros problemas sociais.
com informações Ministério Público