Quando era criança convivi muito com descendentes de indígenas, cheguei a escutar que o Brasil era uma das nações com a maior área de cobertura vegetal nativa do planeta.
Povos cujos modos de vida poderiam inspirar uma relação do homem com a natureza, que seja baseada no respeito. Essa mudança de paradigma, que conduza a outra relação com a natureza.
A tecnologia e a inteligência humana devem ser usadas como ferramentas para a superação da crise atual, e a literatura deve ser capaz de despertar sensibilidades e reflexões.
No cerrado da minha infância, era muito popular o seguinte provérbio: “Não se pode esconder a fumaça se acender o fogo”. Isso indica que as ações sempre têm consequências visíveis, não importa o quanto você tente escondê-las.
Qualquer ação deixa uma marca, por mais discreta que seja. Mas, muitos provérbios do cerrado antigo servem como um alerta contra riscos ou sentimentos ruins.
Todos os provérbios do cerrado são muito bonitos. Afirmações transmitidas de geração em geração, educando comunidades e populações inteiras. Eles são certamente um legado importante com o qual cada um de nós pode aprender e se inspirar.
Dito isso, entro no tema principal da coluna. Naquela época em que era criança não escutava a palavra (meio ambiente), e isso não significava atraso. Os mais velhos falavam na terra, na água, enfim na mãe de todos os seres vivos.
Não significava atraso, significava outra ideia, outra percepção em que não há essa distinção que foi criada nas filosofias e economias europeias e americanas, e que chegou aqui com os colonizadores realizando exploração da natureza.
Acabou que se separou aquilo que era cultura, daquilo que era sociedade tradicional, e natureza. Havia uma percepção, como no caso do clima, de que as chuvas eram comandadas pelos santos. São Pedro, por exemplo, abria as torneiras e mandava chuva.
Em algumas comunidades do cerrado têm velhos que são verdadeiros médiuns, que prevêem as chuvas. Quer dizer, a chuva tem uma espécie de linguagem, uma conversa entre sinais da natureza.
Esse diálogo é permanente, e é desse equilíbrio entre essas esferas que foram apartadas noutras filosofias que se consegue uma harmonia social, uma estabilidade dentro da vida das pessoas tradicionais.
Alterações climáticas tem de ser vistas como alguma coisa que começou recentemente. Antes tinham as enchentes e vazantes.
Os povos primitivos tinham essa percepção, construíram todo o seu convívio com esta sazonalidade. Os pássaros em determinadas época do ano fazem os ninhos nas margens dos rios, em outras épocas fazem os ninhos no alto.
Há uma sabedoria que está viva, como está viva a língua daquela região e daquele povo. Há uma sabedoria que está viva no meio do povo primitivo.
Persiste essa sabedoria, as pessoas percebem pela chegada de certo tipo de pássaros, onde eles fazem o ninho, pela invasão de certo tipo de formigas, percebem que estão perante a aproximação de um evento extremo.
Acho que devemos seguir nos dias atuais a identidade cultural dos povos primitivos, cujos modos de vida poderiam inspirar uma relação do homem com a natureza, que seja baseada no respeito, segundo Mia Couto.
Atualmente temos uma vasta base de conhecimento e dos avanços em ciência, tecnologia e educação, forças contrárias que visam só o lucro, persistem em minar os esforços para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável.
O cerrado que conheço abriga nascentes de rios vitais para Salinas, está se tornando uma zona de sacrifício em nome do desenvolvimento econômico. A situação é alarmante, onde a ameaça de seca compromete a agricultura e pecuária na região.
Há uma nova visão, onde ocorra de maneira sustentável esse desenvolvimento, minimizando os impactos ambientais e sociais.