Continuando a Travessia pelo Sertão de Guimarães Rosa e pelo meu Cerrado com Nilton Loyola e Neide Caitano.
Setenta anos depois, a travessia de Guimarães Rosa pelo Sertão fez brotar esta coluna.
Em 19 de maio de 1952, o escritor iniciou uma jornada de 10 dias e 240 km com boiadeiros pelo interior de Minas.
Em 1956, nasceria Grande Sertão: Veredas que é considerado uma das mais significativas obras da literatura brasileira.
O sertão mineiro que serviu como pano de fundo para Guimarães Rosa será discutido por mim no WebTerra, com imagens de Nilton Loiola.
Usaremos da tecnologia e da nossa inteligência como ferramentas para despertar sensibilidades e reflexões acerca do sertão de Rosa 70 anos depois que ele publicou a livro: Grande Sertão: Veredas.
É um autor conhecido pela sua genialidade na invenção de palavras, os chamados neologismos, com estruturas narrativas não tradicionais, pela linguagem poética, e regionalismo atrelado a temas universais.
Ele parte da oralidade que Mia já disse: é muitas vezes entendida como um estágio evolutivo que todos devem chegar para chegar ao patamar superior que é da escrita.
A oralidade seria uma espécie de património ainda presente nos povos indígenas e nas sociedades primitivas.
Mas a oralidade está presente em todos nós, em todas as nações do mundo.
Nascemos nela e foi ela o nosso chão até lançarmos as raízes como pessoas.
O papel da oralidade não difere muito no Brasil e em Moçambique.
O que a escrita faz é reconstituir a ponte entre a letra e a voz, entre a palavra grafada e a palavra falada.
“A obra de João Guimarães Rosa deu voz ao sertão” e a minha obra veio dar voz a este povo.
E eu continuo falando sobre sua obra que revela a percepção de que a tarefa para que o sertão e seu povo tenha voz e tenha vez, ainda está inacabada.
Hoje, o sertão está mais árido do que há 70 anos, quando o escritor se inspirou para escrever sobre o que o exasperava ao percorrer 240 quilômetros, descrevendo as veredas, o espaço de vegetação cercado de água no baixio do cerrado, como um oásis.
Conta Neide que foi moradora do Cerrado, onde teve experiências com rios que se encontravam e formavam uma ilha onde passávamos a maior parte do seu tempo, ali havia muita riqueza de água e natureza.
Isso já não existe mais.
Em 1952, as anotações de Guimarães Rosa já registram essa devastação e o começo da presença do eucalipto.
Neste momento de expansão da insegurança hídrica, da mineração e violência crescente no campo, da evasão da juventude e do envelhecimento da população rural, do aquecimento global e das mudanças climáticas, esta tarefa ganha novas e urgentes dimensões.
O que está acontecendo no Cerrado não é apenas um crime ecológico, é um crime contra outras espécies.
E é um crime contra a humanidade inteira.
Pensando nas razões invocadas para devastar e para permitir que o Cerrado seja objeto de um assalto, é um crime político, econômico, ecológico. É um crime total.
Pra me ajudar nesta tarefa vou convidar Mia Couto que fala sobre Impactos Ambientais.
É momento de pensarmos uma economia e políticas que são profundamente injustas, predadoras e criadoras de miséria e desequilíbrios.
Enquanto biólogo que é, como tem observado as últimas decisões das reuniões do clima? Tem esperança de que será possível conter a destruição?
É preciso ter noção do limite que essas conferências mundiais podem fazer. O que ali se decide é importante, sim, mas não basta.
É preciso ir mais longe. Os políticos que sentam nas conferências estão a falar de um cavalo enfurecido que tomou o freio nos dentes. Eles podem ajustar, ou seja, apertar as rédeas.
Mas esse cavalo não lhes pertence. Os donos do cavalo são o mercado, os chefes das grandes corporações e dos grandes bancos.
Eles é quem deviam ser responsáveis e, sobretudo, responsabilizados. Para ele, é preciso localizar as razões pelas quais o mundo enfrenta, ho
“Esse sistema não está mal porque não anda bem. Está mal porque produz miséria, desigualdade, causa ruptura em modos que vida que aí, sim, poderiam ser sustentáveis”.
Crítico da ideia de desenvolvimento sustentável, o escritor e também biólogo avalia que a ideia de desenvolver traz uma negação.
“Estamos retirando o núcleo central, o ambiente. E essa negação é a negação da identidade cultural dos povos que foram expropriados”.
Povos cujos modos de vida poderiam inspirar uma relação do homem com a natureza, que seja baseada no respeito e não na compreensão “de que a natureza pode ser vista como um recurso natural”, segundo Mia Couto.
A literatura pode, desde já, “Mostrar que o ambiente não é assim como nós pensamos; mas é tudo; não está fora de nós; está dentro de nós. A literatura pode fazer, e deve fazer essa denúncia daquilo que é uma espécie de fabricação permanente da desigualdade e da miséria”, afirmou.
Crítico da situação atual, o escritor alertou: “Nós estamos falando de uma situação que poderá ser catastrófica. Mas para dois terços da humanidade, essa catástrofe já está aqui e vem por causa da fome, da guerra”.