Quando escrevo uma coluna para o WebTerra não é possível escrevê-la em poesia, mas a linguagem pode ser poética. É isso que eu quero. Tenho certeza que a literatura encanta o mundo.
É por isso que aceito falar em escolas, escrever colunas, recitar poemas e tenho uma participação além da escrita. Sempre gostei de encontrar um modo de despertar a vontade de encantar o mundo e as pessoas.
É possível fazer aproximações entre o sertão mineiro, a savana africana e o cerrado salinense/norte mineiro. Com habilidades, os escritores mostram coisas existentes nestes mundos que, embora não explícitas, são compreendidas intuitivamente pelo leitor.
Esta coluna de hoje propõe discutir o modo de composição da escrita de João Guimaraes Rosa, Mia Couto e a minha, a partir da aproximação do sertão, savana e cerrado.
Sempre demonstramos profundo interesse pela natureza, por bichos, plantas, pelos sertanejos, já que os textos são narrados em uma linguagem que aproxima o leitor da narrativa, através de uma escrita familiar carregada de oralidade, com ditos populares e de grande expressividade, profundamente poética.
As estórias retratam a relação e o aprendizado repassado, respectivamente, de velhos para crianças, que servem de base para uma narrativa que, em alguns momentos, transborda em pura emoção.
Há no sertão, na savana e no cerrado as leis da natureza influenciando o viver dos homens.
Na obra do escritor Guimarães Rosa é apresentado o regionalismo do sertão, em Mia, o regionalismo da savana, e na minha obra, o regionalismo do cerrado.
Deixamos de dar ênfase à paisagem para focalizar na oralidade, na fala do povo que é utilizada como matéria literária, matéria prima de nossas personagens.
Há nestes locais um território que não tem geografia e, portanto, toca os escritores, porque são mundos parecidos.
A grande arte nossa é fazer algo que nasce num contexto geograficamente localizado, mas que ao mesmo tempo, é regional e também universal. E, há aí uma escrita que é encantada.
Como disse Mia Couto:
“É evidente que não é fácil. O livro Grande Sertão: Veredas, por exemplo, não é uma leitura que o cidadão comum moçambicano, que tem dificuldades em ler, possa penetrar”.
Mas, há a experiência de um poeta angolano que esteve na prisão durante catorze anos, Luandino Vieira – um escritor de ficção, que fez poesia também.
Ele estava na prisão da Polícia Política Portuguesa (PIDE) entre 1945 e 1969, uma coisa terrível, e lá recebeu um exemplar do Grande Sertão: Veredas.
O diretor da prisão quis ver o livro antes, mas deixou que entrasse dizendo, sobre o Guimarães Rosa: “ele nem sabe escrever”.
Na prisão, Luandino lia o Grande Sertão para gente que nem sabia ler e as pessoas adoravam, citavam de cor frases inteiras. É uma ideia falsa achar que aquilo não toca as pessoas porque é demasiado rebuscado.
Já sobre a savana, Mia que também é biólogo, diz assim: “viajo muito pela savana do meu país”. Nessas regiões encontro gente que não sabe ler livros. Mas que sabe ler o seu mundo. Nesse universo de outros saberes, sou eu o analfabeto.
Não sei ler sinais da terra, das árvores e dos bichos. Não sei ler nuvens, nem o prenúncio das chuvas. Nessas visitas que faço à savana, vou aprendendo sensibilidades que me ajudam a sair de mim e a afastar-me das minhas certezas.
Nesse território, eu não tenho apenas sonhos. Eu sou sonhável.
Guiado por esses dois grandes escritores, venho mostrar toda a riqueza desse belo cerrado norte-mineiro, ajudando a entender e falar do meu cerrado que na minha infância também era gerais e o cerrado.
O cerrado é o descampado, que significa “fechado”, um universo misterioso, mais do que espaço geográfico, é também de historias e memórias.
Com seus morros, montes, florestas, desfiladeiros perigosos, pântanos, lamaçais e veredas, de uma vegetação densa de arbustos, mas também com árvores baixas e tortuosas, é de uma linda e difícil travessia.
Carrego dentro de mim as suas dificuldades, é verdade, mas também, e, principalmente, com suas qualidades, como a sua gente humilde e simples, trabalhadora e dedicada, das suas terras profundamente férteis.
O sertão, a savana e cerrado são mundos construídos na escrita e na oralidade. Nestes territórios o leitor é ao mesmo tempo viagem e viajante.
A escrita é a “TRAVESSIA”.