Neste 14 de março, Dia Mundial do Rim, deixo uma mensagem: eu não permito que a vida sepulte mais do que a própria morte, como disse Mia Couto.
Enquanto surge mais um transplante renal na minha vida, vou fazendo “Terapia Renal Substitutiva”, ou hemodiálise numa Clínica em Salinas, onde escrevo minhas colunas para o WebTerra.
Aí somos desafiados a mudar nós mesmos.
Como disse Mia Couto: O vírus não pode ser o vilão da história que vou contar.
Escapei duas vezes do coronavírus, e não escapei do poliomavírus, mas jamais duvidei da força da literatura para, especialmente em um país tão marcado por problemas como o meu, permitir que a gente não abandone a capacidade de sonhar.
Como Mia comungo da ideia de que a escrita pode ajudar a inventar (e revisitar) uma história.
Movido por tal convicção, escrevo livros e colunas cuja prosa poética encanta por me aproximar da realidade.
Na verdade, ele leu e releu o livro: A Peste, de Albert Camus, e disse numa entrevista a Ubiratan Brasil.
– Mas a leitura foi dolorosa demais. O mais que leio agora é literatura científica. Sou biólogo e não me conformo com a ignorância que mantemos sobre os vírus e as bactérias.
Essa ignorância está muito ligada a uma visão antropocêntrica que mantemos do mundo e da vida.
Sabemos mais sobre o urso panda do que sobre os vírus ou sobre os morcegos que são os hospedeiros da maior parte dos coronavírus.
E, no entanto, os morcegos foram capazes de desenvolver mecanismos imunológicos de modo a que não adoeçam mesmo com grande cargas virais.
Encapsulam os vírus e não chegam a criar as respostas imunes agressivas que, no caso deste coronavírus, nos acabam por matar por via desse fenômeno chamado a cascata imunológica.
Os vírus não podem ser entendidos como os maus da história, os vilões que merecem ser estudados apenas por motivos médicos.
Há ainda dúvidas na comunidade científica sobre se considerar essas criaturas como seres vivos ou partículas inorgânicas.
Seja o que forem, os vírus são os grandes maestros da orquestra da Vida, são os mensageiros e agentes de troca entre o mais diverso patrimônio genético.
Eles não estão “fora” nem “longe”, não vivem nos laboratórios. Eles estão onde está a vida, estão dentro de nós.
O nosso genoma incorpora elementos virais. Nós somos feitos a partir deles. Os mamíferos não seriam capazes de desenvolver placenta se não tivéssemos incorporado geneticamente esses elementos virais.
Falo de tudo isso porque essa pandemia não será a última. Já estávamos avisados que viria algo parecido.
E ficamos à espera, embevecidos com o nosso poderio tecnológico e com a ilusão da nossa onisciência.
Mais de uma vez, um fenômeno real inspirou fortemente a escrita. Seria o caso novamente, com a covid-19 e o Poliomavírus?
Pode ser que relatos dessa pandemia e do Poliomavírus, que atacou meu rim transplantado venham a funcionar pra mim como inspiração.
E para encerrar uma estrofe de um poema.
Desejo em versos.
Não lamento meu passado,
relembro com esperança,
das várias tentativas
como se fosse uma criança.