O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o regime obrigatório de separação de bens nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos pode ser alterado pela vontade das partes. Por unanimidade, o Plenário entendeu que manter a obrigatoriedade da separação de bens, prevista no Código Civil, desrespeita o direito de autodeterminação das pessoas idosas.
Antes, esse regime era obrigatório. Com a mudança, o casal pode escolher outros regimes de casamento, como comunhão parcial ou universal de bens. Para isso, basta ir a um cartório e registrar o regime escolhido.
O caso que começou a ser julgado em outubro passado no STF teve início em Bauru (SP) e envolve um homem e uma mulher que mantiveram uma união estável entre 2002 e 2014, quando o marido morreu. A mulher decidiu entrar na Justiça para ter direito à herança. Na cidade do interior paulista, a Justiça reconheceu a companheira como herdeira, mas o entendimento do caso foi revertido em segundo grau.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acatou o recurso de um dos filhos do homem, que alegava que o pai tinha mais de 70 anos quando se casou. O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça e chegou ao STF.
Lei foi instituída para evitar o “golpe do baú”
Em 2002, a regra foi instituída para evitar casos conhecidos como “golpe do baú” — aquele que sempre aparece em filmes e novelas em que uma pessoa muito mais jovem se une oficialmente a outra de idade avançada para herdar seu patrimônio. Mas esse regime obrigatório de separação de bens para maiores de 70 anos, da forma como estava previsto no Código Civil, segundo o STF, desrespeita o direito de autodeterminação das pessoas idosas. A decisão do STF foi unânime.
A advogada Virginia Arrais, especialista em Direito Notarial, explica que o cuidado que o STF tem com essa decisão é em afirmar que esse aditamento do regime de separação de bens pode ocorrer desde que os interessados pactuem isso diante de um tabelião — o que deve ser feito em cartório.
“É uma garantia que o tabelião poderá, nesse momento, averiguar a real capacidade de manifestação de vontade dessas pessoas — e também que não há vício dessa manifestação de vontade. Que ela é livre e está em consonância com a autonomia da vontade daquele casal em construir sua vida conjugal.”
Para Talita Amaral, advogada especialista em Tribunais Superiores, a decisão é também um reflexo do aumento da expectativa de vida do brasileiro. “Hoje vários idosos com mais de 70 anos vivem em pleno gozo das suas faculdades mentais, não têm nenhum tipo de impedimento para deixar de escolher o regime de casamento mais adequado à sua relação. Tudo isso é o rompimento de paradigmas da sociedade que antes eram impostos por meio de ideias conservadoras — e que vêm sendo quebradas ao longo do tempo”, avalia a advogada.
Como a votação do STF é considerada de repercussão geral, ou seja, trata-se de uma decisão que precisa ser seguida pelas instâncias inferiores da Justiça.
Segurança jurídica garantida
No caso concreto, o STF negou o recurso e manteve decisão do TJ-SP. O ministro Barroso explicou que, como não houve manifestação prévia sobre o regime de bens, deve ser ao caso concreto aplicada a regra do Código Civil. O ministro salientou que a solução dada pelo STF à controvérsia só pode ser aplicada para casos futuros, ou haveria o risco de reabertura de processos de sucessão já ocorridos, produzindo insegurança jurídica.
Conheça os regimes de casamento no Brasil
No Brasil são quatro tipos de regimes de bens vigorando atualmente:
- comunhão parcial de bens
- comunhão universal de bens
- separação de bens
- e separação obrigatória de bens para pessoas acima de 70 anos (agora opcional)
Comunhão Parcial de Bens
O mais comum nos casamentos no Brasil é aplicado quando as partes não optam por nenhum pacto antenupcial. Nesse caso, só são considerados bens “do casal”, aqueles que foram conquistados em conjunto, depois do casamento. Os bens que cada um tinha antes da união são considerados particulares.
Comunhão Universal de Bens
Nesse caso os bens individuais deixam de existir — inclusive os constituídos antes do casamento — e tudo passa a ser do casal. Nesse regime a exceção são bens herdados ou doados com cláusula de incomunicabilidade, ou os bens de uso pessoal. Para esse tipo de regime, o casal precisa fazer o pacto antenupcial no cartório antes do casamento.
Separação de bens
Neste caso o casal estabelece que os bens — adquiridos antes ou depois do casamento — serão incomunicáveis, ou seja, não passarão a pertencer ao casal ou ao parceiro em caso de divorcio. Para a escolha desse regime também é preciso fazer o pacto antenupcial em cartório. Nesse regime, em caso de morte, o cônjuge sobrevivente torna-se herdeiro e terá direito a uma parte dos bens deixados pelo falecido — ou a totalidade, caso não haja descendentes nem ascendentes.
Separação obrigatória de bens (para maiores de 70 anos)
Antes da decisão do STF de tornar opcional esse regime, todo casamento que um dos cônjuges tivesse mais de 70 anos seria adotado para a separação obrigatória de bens. A partir de agora ele continua vigorando automaticamente, caso os cônjuges não façam sua escolha em cartório.
[Com informações de Brasil 61]