Coluna Sal da Terra: Sonhar com algo diferente

Farei da minha coluna de hoje um espaço de discussão crítica e analítica sobre o chamado meio ambiente.

Vou relembrar um episódio de quando descobrimos um Parque dentro do Rio Salinas, e num encontro com jovens estudantes, que foram visitar o Rio Salinas para ver o que já era uma preocupação central no âmbito da questão ambiental.

Imagem: Internet

Depois vieram as trágicas cheias de 2021, quando grande parte da cidade foi invadida e muitas pessoas tiveram que ser deslocadas dos seus lugares originais.

Eu queria que naquele contato que tivessem com o Rio Salinas, aqueles jovens olhassem para o rio não como uma coisa, não como um componente da geografia, mas que percebessem o Rio como uma entidade viva, como uma criatura que não existe apenas entre duas margens, apenas entre uma foz e uma nascente. Mas que partilhassem daquilo que é visão das pessoas mais antigas, ou os primeiros habitantes do Rio Salinas.

Por exemplo, as pessoas que contatamos ao longo das margens, ainda chamam o Rio de morada dos primitivos, que quer dizer: o rio é a casa de todos.

Para além dessa dimensão poética que me encanta, também há ali uma sabedoria, uma percepção que foi construída ao longo do tempo, desse comportamento sazonal de um Rio.

O que aconteceu não é uma anormalidade. É assim que o Rio nasceu, é assim que o Rio vive, com esta periodicidade de inundações, foi assim que construiu este longo vale.

Portanto, o assunto das alterações climáticas tem de ser visto como alguma coisa que não é completamente nova.

Não estamos descobrindo uma coisa que era completamente ignorada.

Essas pessoas tinham essa percepção, construíram todo o seu convívio com esta sazonalidade.

Há uma sabedoria que está viva, como está viva a língua daquele povo, num diálogo com a natureza.

Persiste essa sabedoria, as pessoas percebiam pela chegada de certo tipo de pássaros, pela invasão de certo tipo de formigas, percebiam que estão perante a aproximação de um evento extremo.

Lembram que os patinhos salvaram da grande cheia?

Tive notícias de outros animais que também se salvaram, numa percepção clara que há um diálogo com a natureza.

Eles percebem os sinais das chuvas, dos pássaros, das águas e dos bichos.

Essa percepção está traduzida numa língua que é diferente porque consta realmente de uma outra visão da natureza e da vida.

Não há palavras para dizer coisas que nós pensamos e que são conceitos universais.

Por exemplo, não existem palavras específicas para dizer meio ambiente, palavras para dizer clima, no meio dos povos primitivos.

Os povos primitivos seguiam a lua, o sol, a chuva.
Há o mês do plantio, que coincide com a colheita em determinada fase da lua, há diferentes luas conforme as estações que vão sucedendo.

O fato de não haver para os povos primitivos a palavra clima ou palavra meio ambiente, não significa ignorância dos povos primitivos.

Significa outra ideia, outra percepção em que não há essa distinção que foi criada na ciência, em que separou aquilo que era cultura, aquilo que era sociedade e natureza.

Há uma percepção, como no caso das chuvas pelos sinais da natureza.

Quer dizer, a chuva é uma espécie de linguagem, uma conversa entre seres vivos, e o rio, a chuva, o sol, a lua são seres vivos que comunicam com nós.

Esse diálogo é permanente e é desse equilíbrio entre essas esferas que se consegue uma harmonia social, uma estabilidade dentro da vida das pessoas.

Percebemos que o acontecimento com o Rio, como se o desequilíbrio ambiental tivesse que ter soluções puramente ambientais.

Todos sabem que para resolver os desequilíbrios ambientais é preciso mexer na economia, tomar medidas políticas, mexer com o social, a educação e mexer em tudo.

Os povos primitivos já sabiam que a natureza é uma morada de todos, e não uma morada da espécie humana que recebe os “outros”.

Aí as escolas, os movimentos chamados de ecologistas voltam a se centrar na espécie humana o que seria o sentido de posse, de administradores.

O discurso é centrado no ser humano, porque sugere que os que estragaram o planeta vão ser os salvadores do planeta.

A biologia introduziu conceitos que podem ajudar a mudar radicalmente a nossa visão de quem somos e nossa relação com os outros.

A ideia é sonhar diferente, não misturar as estações e ver que a natureza é a morada de todos, e isso será um dos principais motores para a nossa evolução.

Isto é, tem que rever a ideia de meio ambiente, como algo separado de humanos e a natureza.

De fato, muitos seres vivos e nós próprios conseguimos sobreviver porque fomos capazes de estabelecer relações de reciprocidade, de ajuda mútua.