Um dos sensos mais comuns sobre economia é que se um país quiser enriquecer ele precisa se industrializar. Essa ideia está enraizada na mentalidade do público leigo em economia. Mas será que isso é verdade?
Absolutamente nenhum modelo bem estabelecido na literatura sobre crescimento econômico faz referência à industrialização como um dos promotores do desenvolvimento. A começar pelo modelo mais básico, o de Solow, ele leva em consideração a taxa de poupança, a taxa de natalidade, a taxa de depreciação do capital e a taxa de inovação tecnológica, mas não fala uma palavra sequer sobre a industrialização do país.
Outros modelos mais elaborados seguem na mesma linha. O modelo bem estabelecido na literatura sobre crescimento econômico faz referência à industrialização como um dos promotores do desenvolvimento. A começar pelo modelo mais básico, o de Solow, ele leva em consideração a taxa de poupança, a taxa de natalidade, a taxa de depreciação do capital e a taxa de inovação tecnológica, mas não fala uma palavra sequer sobre a industrialização do país.
Outros modelos mais elaborados seguem na mesma linha. O modelo de Ramsey-Cass-Koopmans procura estabelecer fundamentos microeconômicos para a dinâmica do crescimento macroeconômico. Nesse modelo, a taxa de poupança passa a ser endógena, em que um número limitado de famílias vive um período de tempo infinito, ofertando trabalho, mantendo ativos, consumindo e poupando; ao passo que firmas competitivas contratam trabalho e alugam capital para produzir produtos (é claro que esse modelo é irrealista, mas lembre-se de que todo modelo é uma simplificação da realidade que tenta facilitar o nosso entendimento do mundo complexo). Já o modelo de gerações sobrepostas de Diamond difere do anterior na medida em que há uma entrada contínua de novas famílias na economia. Mais uma vez, nenhum dos modelos faz referência à industrialização como processo de enriquecimento.
Seguindo adiante, temos os novos modelos de crescimento econômico, iniciados por Romer e Lucas. Basicamente, eles consideram que a taxa de inovação tecnológica é uma variável endógena, dependendo de fatores como a fração de produto e trabalho devotados à pesquisa e desenvolvimento. Também consideram em seus modelos que o nível de renda é determinado pelo nível de capital humano. Nenhuma palavra sobre industrialização aqui também.
Será que os modelos de crescimento econômico bem estabelecidos na academia estão fora de contato com a realidade? Será que os acadêmicos vivem em uma torre-de-marfim que não olham para o mundo ao seu redor e não percebem o fato óbvio que o enriquecimento de uma nação requer a sua industrialização? Será que na prática a teoria é outra? Veremos.
Um trabalho de Thiago Miguez e Thiago Moraes [1] ajuda a esclarecer o assunto. Na tabela 8 desse trabalho, os autores comparam o quanto a produtividade brasileira se alteraria se a estrutura de ocupação dos trabalhadores brasileiros fosse idêntica à estrutura dos países comparados, ceteris paribus. Já na tabela 9 os autores mantém a mesma estrutura produtiva do Brasil, mas igualam a produtividade setorial do país à dos países comparados.
Qual deveria ser o resultado observado caso a hipótese dos adeptos da ideia de que enriquecimento requer industrialização fosse correta? Bom, deveria-se observar que a produtividade brasileira deveria crescer muito mais caso se igualasse a estrutura ocupacional dos trabalhadores àquela dos países industrializados do que se fosse mantida a mesma estrutura ocupacional e apenas se mudasse a produtividade intra-setorial. Acontece que o oposto disso ocorre.
A produtividade brasileira aumentaria muito mais se, mantendo a mesma estrutura ocupacional, iguala-se a produtividade intra-setorial brasileira a dos países industrializados do que se, mantendo a mesma produtividade intra-setorial, rearranja-se os empregos para priorizar setores manufatureiros.
Em resumo: a produtividade (e consequentemente a renda) de um país depende muito mais de como se produz do que o que se produz.
Vejamos a pauta de exportação de alguns dos países mais ricos do mundo. Com apenas uma pequena parcela de produtos industrializados exportados, Austrália é um exemplo de país rico que não se industrializou. A pauta de exportações desse país em 2017, que serve como uma proxy para produção, consiste basicamente de produtos primários. 20% das exportações da Austrália de 2017 foi composta de minério de ferro, 19% de carvão, 12% de ouro, e apenas uma pequena fração de produtos industrializados [2].
Uma situação mais drástica ainda é observada na Nova Zelândia, outro país rico. Nesse país, quase metade dos produtos exportados em 2017 consistiu de produtos a base de leite. De fato, a exportação de industrializados é quase nula [3].
Esses resultados são um completo enigma para os defensores da tese de que enriquecimento requer industrialização.
Uma tese relacionada à tese de que um país para ser rico precisa se industrializar é a de que um país para ser rico precisa ter grande “complexidade econômica”, um conceito relacionado ao da industrialização. Ocorre que complexidade econômica, tal como industrialização, não aparece em nenhum dos modelos bem estabelecidos sobre crescimento econômico. Qual seria a relação entre complexidade econômica e riqueza?
Complexidade econômica tem muito mais a ver com densidade populacional do que com renda por habitante. Na medida em que o campo e a mineração vão se mecanizando, mão-de-obra é expulsa. Essas pessoas então precisam se especializar em atividades que não são intensivas em recursos naturais, como manufatureiras, as quais tendem a ser mais complexas. Países ricos e pouco densos, como Austrália e Canadá, não sofrem com este problema porque acabam por tabela tendo uma disponibilidade muito alta de recursos naturais por habitante. Isso explica o fato de a pauta de exportação canadense ser mais simples que a mexicana, ou da australiana ser mais simples que a filipina.
Mais uma vez, a tese de que complexidade econômica e industrialização explicam crescimento econômico se mostra frágil.
Uma crítica comum à manutenção um país baseado numa matriz de produção primária é a de que países primário-exportadores possuem uma baixa elasticidade renda das exportações e uma elevada elasticidade renda das importações. Isso significa que à medida que os países não-industrializados enriquecem, eles tendem a exportar apenas um pouco mais de bens primários; ao passo que ao mesmo tempo, eles tendem a comprar muitos bens industrializados. Isso configuraria um problema constante na balança de pagamentos dos países primário-exportadores.
Ocorre que essa conclusão só é válida se você desconsiderar a taxa de crescimento do preço da moeda estrangeira em moeda local (o que a gente também chama de câmbio) e dos níveis de preço. Caso o câmbio real tenha margem para depreciar e a soma das elasticidades preço das exportações e importações, em módulo, for maior do que 1 (satisfazendo a condição de Marshall-Lerner), mesmo um país primário-exportador, que teoricamente tem uma razão entre as elasticidades renda das exportações/importações menor do que 1, pode crescer mais do que o mundo sem restrição de balanço de pagamento.
Segundo segue a história, os produtos primários mantém um preço relativamente baixo e estável ao longo do tempo, enquanto produtos industrializados possuem um preço cada vez mais alto comparado aos produtos primários, devido ao enorme grau de valor agregado neles embutido. Isso, com o tempo, geraria uma deterioração dos termos de troca e, em última instância, um empobrecimento dos países primário-exportadores caso eles tomem parte no comércio internacional. Isso também estaria relacionado ao problema da restrição exterma.
Duas considerações a respeito dessa tese. A primeira é que para a deterioração nos termos de troca gerar prejuízos para um país que toma parte no comércio internacional, condições muito extremas devem ser observadas, praticamente impossíveis de acontecerem no mundo real. Essas condições foram formalizadas pelo economista Jagdish Bhagwati na década de 60 e uma ilustração gráfica delas pode ser vista no livro de Economia Internacional de Salvatore, página 203, 11ª edição.
A segunda é que a deterioração dos termos de troca aparece em todo lugar nas teorias cepalinas, menos nos dados. Mais uma vez o livro do Salvatore vem a nos ajudar. A tabela da página 96 desse livro mostra que não há nenhuma deterioração dos termos de troca dos países não industrializados. O que parece haver é algo praticamente aleatório: uma hora, os termos de troca são mais favoráveis aos países industrializados, outra hora, aos países não industrializados. Deixaremos o livro do Salvatore na nota [4] para vocês conferirem por si mesmos o que foi dito, caso queiram.
Mas se enriquecimento não requer industrialização, então por que a maioria dos países ricos são industrializados?
Primeiro que isso é cada vez menos verdadeiro: países ricos estão passando por um processo drástico de desindustrialização, com a mão de obra migrando fortemente para o setor de serviços.
Segundo que, basicamente, porque todos os países ricos possuem uma população altamente educada. Para se industrializar (e não falo apenas de indústrias simples como a de transformação, mas de setores industriais sofisticados como a indústria automobilística, a da química fina, de eletrônicos etc.), um país precisa de engenheiros e cientistas altamente qualificados. Os países ricos, ao se educarem, obtiveram esse capital humano necessário, e acabaram se industrializando. Então não é que a industrialização foi causa do crescimento, mas o contrário: o crescimento, baseado em acúmulo de capital físico, humano e desenvolvimento tecnológico, propiciou a industrialização e a geração de setores industriais altamente sofisticados. Como dito no início do texto, há uma confusão entre causa e consequência.
Já países ricos que possuem abundância em terras férteis e recursos naturais e pequena densidade populacional, como Austrália e Nova Zelândia, acabaram se especializando na produção de produtos primários, como dita o bom e velho modelo de Heckscher-Ohlin. Para tanto, eles utilizam o estado-da-arte da tecnologia para produção desses bens, pois também possuem um alto nível de educação. Por isso mesmo são ricos, mesmo não sendo industrializados.
Em suma, os modelos de crescimento econômico bem estabelecidos nada têm a dizer sobre o que um país deve produzir para ser rico, e as evidências empíricas confirmam isso. O que determina a riqueza ou a pobreza de um país não é o nível de industrialização, mas de produtividade, e em última instância o que determina a produtividade são as instituições. Instituições extrativistas tornam um país pobre, instituições inclusivas tornam um país rico.
[1] http://www.ipea.gov.br/…/produtividade_no_brasil_miolo…
[2] https://oec.world/…/tree…/hs92/export/aus/all/show/2017/
[3] https://oec.world/…/tree…/hs92/export/nzl/all/show/2017/
[4] https://www.academia.edu/…/International_Economics_11th…