De acordo com o IBGE, nos últimos 12 meses, a gasolina acumula alta de 32% e o diesel, 40%. Para entender o motivo da alta é preciso entender, primeiro, o que compõe o preço da gasolina.
QUAIS ITENS COMPÕEM O PREÇO DA GASOLINA?
Segundo a ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, cinco itens compõem o preço da gasolina, sendo eles:
- O preço de produção (refinarias da Petrobrás e importadores);
- O preço do etanol (a gasolina que chega aos postos contém 27% de etanol Anidro em sua composição);
- Tributos Federais (PIS, Cofins e Cide);
- Imposto Estadual (ICMS); e
- Custos de Distribuição, transporte e revenda.
Um dos fatores que mais impactam o preço da gasolina é o acordo firmado entre os membros da OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo que restringe a produção de petróleo. Tal acordo diminui a oferta de petróleo, pressionando o preço da commodity para cima.
Outro fator importante é a alta do dólar. A Petrobrás fornece o combustível para as distribuidoras e calcula o preço nas refinarias com base na cotação do petróleo no mercado internacional e na taxa de câmbio, devido ao fato de a commodity ser cotada em dólar. Desta forma, a cotação do dólar também impacta o preço da gasolina. De maneira resumida, a Petrobrás atrela os preços praticados no Brasil ao valor do barril de petróleo no mercado internacional, cobrado em dólares. Com o dólar alto, os preços no Brasil também sobem.
“Por que nossa gasolina deve estar atrelada ao Dólar e aos preços internacionais, se a produzimos aqui no Brasil?”
Ouço bastante esta pergunta. Ela deriva da crença de que somos autossuficientes em derivados de petróleo, de que nossos custos são estáticos, e que podemos ter o ‘nosso’ preço, baseado no custo de produção. Vou tentar abordar aqui os motivos pelos quais essa crença não faz sentido.
De acordo com a Petrobrás, 14% do combustível que consumimos no Brasil é importada, além do mais, há momentos da conjuntura do país m que é mais barato importar gasolina do que refinar no país. Refinar aqui nem sempre é vantagem.
Outro fato é que, 6% do petróleo que refinamos é importado, e dificilmente poderemos superar isso algum dia, já que importamos tipos diferentes de petróleo para compor o ‘blend’ necessário para que possamos chegar em nosso produto refinado.
Além disso, aproximadamente 40% dos custos da Petrobrás são ‘custos importados’, frutos de afretamentos, aluguéis de equipamentos, contratação de serviços e compra de insumos e bens de capital importados; sem contar que 83% da dívida da Petrobrás está atrelada ao dólar e aproximadamente 70% das receitas da empresa são advindas do mercado interno (em real).
Cabe ressaltar também que, por ter praticado preços descolados das variáveis fundamentais do setor na última década, a Petrobrás teve rentabilidade inferior ao custo de oportunidade do capital, gerando um prejuízo econômico acumulado de aproximadamente 300 bilhões ao Tesouro Nacional.
Então, não:
- Não produzimos toda nossa gasolina aqui;
- Produzir gasolina no Brasil não é sempre e necessariamente mais barato do que importar;
- Não somos e dificilmente seremos livres de ter ‘custos importados’ no setor;
- Ao fixar a receita da Petrobrás com um preço ‘nosso’, expomos a empresa a ter prejuízos contábeis de tempos em tempos, e a ter prejuízo econômico o tempo todo, já que sua despesa não é fixa e é totalmente influenciada pelos preços internacionais e pelo câmbio. Foi justamente isso que fez a empresa perder dinheiro em boa parte de suas operações no país entre 2011 e 2014, e ajudou a causar seus prejuízos contábeis entre 2014 e 2016;
- Colocar esta ideia ingênua em prática destruiria o setor importador de combustíveis e o setor de refino, e aumentaria nossa dependência da Petrobrás. Além de que teríamos que literalmente proibir exportação de gasolina por parte de players privados, para evitar que arbitradores exportassem e reduzissem a oferta interna;
Qualquer ideia para termos preços de gasolina mais baixos que o resto do mundo, por mais mirabolante que seja, caracterizará alguma forma de subsídio.
A sociedade brasileira pode escolher se quer subsidiar gasolina ou não, mas precisa estar ciente do que está escolhendo…
Faz sentido comparar preços nominais de períodos diferentes?
De acordo com a ANP, o preço médio da gasolina no país ficou em R$ 7,26 por litro esta semana. O preço médio ficou em R$2,60 entre o fim de 2005 e o fim de 2010. Tomando 2005 como base, corrigindo pela inflação, aqueles R$2,60 seriam hoje R$6,40 (para realização do cálculo, utilizei a ferramenta do BACEN, chamada calculadora do cidadão), corrigindo pelo salário mínimo, seriam R$10,42. Tomando 2010 como base, corrigindo pela inflação, aqueles R$2,60 seriam hoje R$5,09; corrigindo pelo salário mínimo, seriam 6,06.
Então, sim: de forma geral, o preço está mais alto hoje. Mas a diferença é bem menor do que os valores nominais sugerem!
O recado aqui é: o tempo é uma variável importante no valor do dinheiro. Quando se falar de valores passados, corrija por uma medida de inflação e quando se falar de valores futuros, corrija por uma taxa de juros.
A gasolina brasileira é cara?
De forma geral, não. Existem duas principais formas para se analisar e responder essa pergunta:
A primeira é olhando o preço da gasolina em uma unidade de conta internacional, comparando-a com o preço médio de vários países:
De acordo com essa amostra de dados, o Brasil é a 24ᵃ gasolina mais barata do mundo, abaixo da mediana global. Os dados podem ser obtidos em: https://tradingeconomics.com/country-list/gasoline-prices
A segunda é comparar o preço da gasolina no tempo, ajustando esse preço pelo poder de compra da população.
Portanto, uma breve visita aos dados, quando apropriadamente dispostos e analisados, nos mostra que a gasolina não se encontra muito mais cara do que já foi, e é mais barata em relação ao resto do mundo. O consumidor de gasolina brasileiro merece mais do que o consumidor de gasolina no resto do mundo? Eu penso que não.
A volatilidade da gasolina é um problema?
Não me parece ser o caso. Sim, desde que a Petrobras decidiu praticar uma política de preços de mercado, a volatilidade dos preços de produtos derivados do petróleo no Brasil aumentou, mas esse aumento no foi significante.
Essa política de preços, embora soe maquiavélica para muitos, é antes de mais nada uma condição imposta pelo mercado a Petrobras. A empresa é obrigada a praticar uma paridade de preços de importação, pois caso ela não o faça, um revendedor doméstico de gasolina refinada ou petróleo cru poderá compra-lo no Brasil e exportá-lo pelo preço do mercado internacional, lucrando todo o subsídio oferecido pela Petrobrás.
Basta que poucos players operem no mercado desta forma para que o preço de equilíbrio no mercado doméstico eventualmente volte a se equiparar ao preço internacional. Tal processo chama-se arbitragem, e torna dificultada uma tentativa da Petrobras de administrar preços domesticamente.
Esta atividade de arbitragem pode também soar perversa em um primeiro momento, mas ela serve o seu propósito. Em muitas situações de sobreoferta de petróleo a Petrobras conta com tais arbitradores para garantir o escoamento do seu produto para fora do país em situações onde a demanda doméstica esteja desaquecida.
Então você vai dizer que está tudo bem?
Pois é, pela forma como foi colocada esta análise até agora, parece que o brasileiro simplesmente criou um debate nacional sem fundamento. É claro que isso também não é verdade.
A economia brasileira não vai bem há muitos anos, tanto em termos de comparações com o seu passado quanto em termos de comparação com o ritmo de crescimento de outros países.
Depois de mais de 6 anos, o Brasil até hoje não conseguiu recuperar seu nível de renda observado ao fim de 2014, quando iniciou sua crise fiscal. A renda média per capita em dólares correntes brasileira é hoje a metade daquela que atingiu em seu pico, lá em 2011, quando o dólar flutuava na casa dos R$1.60–1.80. Este tempo já não volta mais, e suas consequências são gradualmente sentidas quando o poder de compra de bens importáveis é cada vez menor.
A natureza da crise brasileira não é, portanto, a gasolina ou a Petrobras, mas da renda doméstica, que falha em acompanhar a renda do resto do mundo.