Num país em que o extermínio do seu povo e da sua história já foi naturalizado, vou eternizar as memórias de indígenas e negros para as futuras gerações.
Fui ao Cercadinho, no Cerrado de Fruta de Leite para resgatar suas histórias e não deixar enterradas nas bibocas, grotas e cafundó do cerrado para que possamos esquecê-las.
Fui atrás da memória porque vale a pena esse esforço, pois a memória da humanidade somos nós e a responsabilidade em preservá-la, entendê-la e aprendê-la é nossa.
Vou lá com o sonho de que possa fazer do riacho do Cercadinho uma biboca de aprendizagem.
Vou lá com o desejo de que a minha escrita possa ser, ainda, de alguma maneira, algo que contribua com a paz, o desenvolvimento e a reconciliação.
É que 2019, segundo a ONU, é o ano internacional das línguas indígenas. A justificativa é de que as línguas importam para o desenvolvimento, a construção da paz e a reconciliação. 2019 pode também ser chamado, no Brasil, de Ano do Esquecimento, pois, ironicamente, os índios quase foram exterminados por D. João VI, assim que pôs os pés no Brasil.
Tudo quanto era índio encontrado transitando pelos caminhos, acampado ou aldeado, podia ser morto. Se o camarada que capturasse ‘nossos parentes’ apresentasse um par de orelhas de índios ganhava 2 mil réis. Se apresentasse 4 pares de orelha, ganhava uma grana maior. Então, tinha gente que passava a vida só cortando a cabeça de índio e entregando orelha no regimento militar, no quartel e ganhando recompensa”, foi o que contou Ailton Krenak, liderança indígena reconhecida mundialmente, em entrevista registrada pelo Museu da Pessoa, em 2007.
Agora, essa e mais 11 histórias de lideranças indígenas – assim como um conjunto de 100 horas de entrevistas sobre memórias de outros brasileiros e brasileiras – estão sendo levadas pelo Museu da Pessoa para serem depositadas no Arquivo Ártico Mundial, um cofre à prova de desastres criado para garantir que a memória digital mundial esteja disponível para as gerações futuras.
Faz parte da memória somente o que se torna um novo aprendizado. Esta dinâmica serve para pessoas ou sociedades. O que me leva de volta a Cercadinho e a Vila dos contadores de história. Será que nem o extermínio desse povo, nem a Vila servirá a nenhuma espécie de aprendizado?
Pra mim seria um triste acaso que registros do século XVI, que acompanhavam a diversidade indígena de etnias e línguas que ocupavam os territórios, que atualmente correspondem ao Brasil, forem esquecidos.
Haverá um momento em que o país fará um esforço para aprender com suas memórias? Para isso, não precisamos de museus espetaculares. Precisamos que as memórias – sejam essas as ditaduras, os incêndios e os extermínios – integrem os currículos escolares, os livros, os debates e os cotidianos dessa e das novas gerações.