O relatório Doing Business 2021 do Banco Mundial, aponta que o Brasil é dono do sistema tributário mais complexo do mundo. Além da elevada carga tributária que, segundo o IFI – Instituto Fiscal Independente, é equivalente a 33% do produto interno bruto (PIB); no Brasil as empresas gastam em média 1.501 horas por ano para cumprir com as suas obrigações tributárias, para se ter uma ideia, a média dos países da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico é de 155,7 horas e de 437,2 horas nos países que compõem o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Existem dois tipos de tributos: os diretos e os indiretos. O tributo direto é um tributo que incide diretamente sobre a renda de uma pessoa física ou jurídica, como por exemplo, o Imposto de Renda (IRPF ou IRPJ). Já o tributo indireto incide sobre o consumo de uma pessoa física e jurídica, e não sobre sua renda, como é o caso do ICMS, ISS e IPI.
O sistema tributário brasileiro é complexo e confuso como um todo, mas é nos tributos indiretos, sobretudo, no ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, em que reside a maior fonte de complexidade.
O ICMS foi criado em 1967 e posteriormente foi ratificado pela CF de 1988, sendo um imposto de competência estadual. Esse imposto no Brasil diverge daquilo que é praticado mundo afora. A primeira grande diferença é que na grande maioria dos países do mundo, o imposto sobre valor adicionado é de competência federal; no Brasil é de competência estadual. Tal situação, por si só, já é fruto de uma gama de complexidades: são 26 estados, além do Distrito Federal; cada estado com seu código próprio de ICMS e com alíquotas diferentes para cada produto.
Outra peculiaridade reside no fato de o ICMS ser cobrado na origem e não no destino, como é praticado no resto do mundo. A partir disso, surgem outras diversas complexidades e implicações, como por exemplo:
A dificuldade de se recuperar créditos tributários: Quando se compra uma mercadoria é gerado um crédito (uma dedução do imposto a ser pago), quando se vende é gerado um débito (um imposto a pagar) e a empresa paga a diferença. Há aqui uma grande dificuldade em recuperar créditos pois foram gerados em outros estados e as empresas acabam pagando mais do que deveriam.
Guerra Fiscal: Para atrair empresas, vários estados oferecem vantagens tributárias. Idealmente, uma empresa se instala próximo a fonte de matéria prima ou próximo ao seu mercado consumidor. Devido aos benefícios oferecidos por alguns estados, as empresas passam a se instalar não onde são mais produtivas, mas onde elas têm mais vantagens tributárias.
Oneração da cadeia industrial: Embora o ICMS seja um imposto incidente sobre mercadorias e serviços, este acaba sendo mais sobre mercadorias, visto que sobre serviços há a incidência do ISS na esfera municipal. O que acontece de fato é que há uma tributação, em geral, menor no setor de serviços e maior no setor de produção de bens. Cria-se uma espécie de arbitragem tributária, onde, de maneira prática, várias empresas irão se vestir com a roupa daquele setor que há menor carga tributária. Por que uma empresa que fatura 100 mil reais com venda de serviços paga menos imposto que uma empresa que fatura os mesmos 100 mil reais com a venda de mercadorias?
Distorção dos preços relativos: em uma economia de mercado os preços exercem um papel fundamental – eles sinalizam para as empresas e pessoas o que deve ser feito/produzido. O problema com o ICMS é que devido a suas alíquotas diferenciadas para cada produto, alguns produtos que eram rentáveis antes de sofrerem a incidência do imposto, tornam-se inviáveis. O contrário também se faz verdadeiro, alguns produtos que antes não eram a melhor opção de produção (que maximizavam a utilidade de capital e o lucro da firma), passam a ser interessantes após a incidência do imposto. Há uma distorção na cadeia que incentiva as empresas a produzirem não aquilo que é mais rentável do ponto de vista produtivo, mas aquilo que é mais rentável do ponto de vista tributário. No longo prazo a má alocação de capital perpetua a improdutividade das empresas brasileiras.
Subjetividade: Devido ao grande número de estados, cada um com seu código tributário próprio, surgem uma infinidade de alíquotas para cada produto. Abre-se um precedente para a subjetividade quanto a identificação da mercadoria ou serviço. A barra de cereal deve ser tributada como cereal ou chocolate? E o pão doce, é pão ou é doce?
A complexidade do sistema tributário brasileiro não se restringe ao ICMS confuso, diversos outros tributos geram insegurança jurídica e má alocação de capital. Como consequência, o Brasil tem menos investimentos, baixa produtividade e consequentemente menos empregos e salários mais baixos.
Não há dúvidas quanto a necessidade de reformulação do sistema tributário brasileiro, mas essa discussão se arrasta há décadas. Atualmente estão em tramitação a PEC 110 e a PEC 45 que tratam da reforma do sistema tributário.