Além de integrar rede de pesquisadores, Universidade desenvolve estudos no Norte de Minas para maior conscientização sobre a patologia e faz planos para ambulatório próprio para pacientes chagásicos
Na semana marcada pelo Dia Internacional da Doença de Chagas (14/4), algumas informações preocupam.
A data marcada pelo Dia Internacional da Doença de Chagas e o trabalho da comunidade científica, do qual os pesquisadores da Universidade Estadual de Montes Claros fazem parte, vai das investigações à conscientização sobre a ameaça que ela representa. Principalmente porque a patologia é um grande problema de saúde social e pública nos países endêmicos (caso do Brasil e da América Latina), e já representa uma questão emergente nos países não endêmicos. E nas duas situações, observa-se como causa certa inexperiência de profissionais de saúde associada ao alto índice de subdiagnóstico.
Até hoje, são poucas as pessoas acometidas pela doença que têm acesso ao diagnóstico e ao tratamento. A escassez de fontes alimentares para os triatomíneos (vetores para a transmissão da doença) e animais silvestres, decorrente do desequilíbrio ecológico causado por alterações ambientais, contribui para o estabelecimento de focos urbanos dos insetos transmissores, onde os animais domésticos ficam mais expostos. E a infecção de cães e gatos, por exemplo, normalmente precede à do homem, mas já se torna um indicativo da proximidade cada vez maior da doença.
Endêmico, o Norte de Minas é marcado justamente por ser o local onde a doença foi descoberta: no município de Lassance, há pouco mais de 100 anos, pelo médico sanitarista Carlos Chagas. Nos pacientes chagásicos, podem ser acometidos o coração, esôfago e o intestino, que aumentam de tamanho com o passar dos anos.
NÚMEROS – Os dados ainda não são exatos porque não há um padrão nos métodos de notificação na rede de saúde, mas estima-se que, no Brasil, há entre 1,9 milhões e 4,6 milhões de pessoas infectadas com a doença. Como os números também não são exatos em nível regional, no Norte de Minas o cenário não é diferente e ainda preocupa muito porque há apenas um ano que a doença na sua forma crônica passou a ser de notificação compulsória em Minas Gerais e, por isso, os números de pessoas acometidas não estão atualizados.
Sem estes dados mais abrangentes sobre os casos atuais de chagásicos na região norte-mineira, uma apuração in loco da Unimontes dá amostra de como pode ser a proporção de doentes na região. “Em um estudo recente realizado em duas cidades (São Francisco e Espinosa), rastreamos 2.038 indivíduos que nunca realizaram o diagnóstico prévio para a Doença de Chagas e, nestes dois locais, encontramos uma positividade de casos de 9,2%. Ou seja, 188 pessoas possuem a doença e não sabiam até então”, enfatiza a professora Thallyta Maria Vieira.
Doutora em Parasitologia, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCS/Unimontes) e participante do Centro de Pesquisa em Doenças Infecciosas e Parasitárias, ela é coordenadora da pesquisa de avaliação da Ecoepidemiologia da Doença de Chagas nas áreas estudadas no Norte de Minas.
“Os indivíduos infectados possuem diagnóstico tardio, o que agrava o quadro clínico. Embora estejam disponíveis no sistema de saúde brasileiro, o diagnóstico e tratamento da Chagas ainda se constituem como um problema muito sério. Há uma desarticulação no programa de controle da doença, infelizmente porque alguns profissionais de saúde e a própria população ainda negligenciam a doença”, complementa Thallyta.
BARBEIROS NA ÁREA URBANA
Mais recentemente, a incidência do barbeiro de Chagas em residências da área urbana potencializou a preocupação dos pesquisadores da Unimontes sobre a possibilidade de novos casos da doença. E a própria cidade de Montes Claros é objeto de estudos, com base em dados registrados por uma década (2009-2019), pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), setor vinculado à Prefeitura.
O CCZ recebe a entrega voluntária dos barbeiros capturados pela população na cidade e os técnicos constataram que são de diferentes espécies os insetos encontrados nas casas. A análise revela que 6,9% dos triatomíneos estavam infectados com o Trypanosoma cruzi (parasito causador da Doença de Chagas). “Fica bem evidente que este cenário sugere um potencial risco de transmissão do parasito para os animais domésticos e às pessoas já na área urbana”, adianta a pesquisadora.
AMBULATÓRIO – Na busca pela referência como centro de estudo da doença, além das diversas pesquisas em andamento a Unimontes trabalha para a aplicação prática de dois projetos: a criação do ambulatório da Doença de Chagas no Hospital Universitário Clemente de Faria (HUCF), vinculado à Universidade, e a implantação de uma Liga Acadêmica para a ampliação de estudos mais diretos sobre a patologia, com o envolvimento maior de universitários das áreas biológicas e da saúde.
Na visão dos cientistas, “é importante incentivar os estabelecimentos de saúde com mecanismos apropriados para se intensificar os investimentos em infraestrutura e na qualificação de pessoal, dentro de uma visão estratégica que contemple a continuidade das ações relacionadas à doença. O surgimento e a manutenção de redes globais têm se fortalecido como paradigma moderno essencial para uma mudança neste panorama. “Nosso grupo de pesquisa tem contribuído de forma expressiva para esta área, consolidando novas fronteiras e incorporando elementos como inovação e integração”, acrescenta a professora Ariela Mota, também do PPGCS, e uma das pesquisadoras envolvidas.
CHAGAS, PARCERIAS E COVID-19
A universidade montes-clarense possui parceria com o Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e faz parte do projeto “SaMi-Trop” (Centro de Pesquisa de Medicina Tropical São Paulo-Minas Gerais), financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH – Agência Americana). Os professores Ester Cerdeira Sabino (USP) e Antônio Luiz Pinho Ribeiro (UFMG) conduzem uma rede de cientistas colaboradores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Unimontes e da Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ) em projetos de pesquisa na busca por novos biomarcadores e pela validação daqueles já existentes para a Doença de Chagas.
A avaliação da Ecoepidemiologia citada acima é uma das diversas produções científicas da instituição sobre o tema. Outro estudo mais recente da Unimontes é coordenado pelas pesquisadoras doutora Desirée Haikal (também do PPGCS) e mestre Ariela Mota, e está associado à pandemia do Novo Coronavírus: visa avaliar a associação e os impactos da Covid-19 em pacientes acometidos pela doença de Chagas. Os primeiros resultados serão apresentados em breve.
SUBPROJETOS – Além destas iniciativas, a Unimontes desenvolve vários subprojetos na região norte-mineira com foco na doença de Chagas, por meio dos trabalhos desenvolvidos pelos pós-graduandos de mestrado e doutorado do PPGCS. Há, também, a campanha de conscientização sobre como se prevenir da Doença de Chagas e os riscos de contaminações, além do diagnóstico correto e o tratamento. Este trabalho passa pela iniciativa dos acadêmicos do 5º período do curso de Ciências Biologia/Licenciatura, como atividade da disciplina Parasitologia, na qual são elaborados materiais para gerar a informação didática à comunidade em geral: jogos, manuais e história em quadrinhos. O alcance será especialmente nas escolas do Norte de Minas para incentivar e popularizar o conhecimento sobre a doença de Chagas.