Perfil no instagram ganha destaque após expor casos de abuso contra mulheres

A quarentena imposta pela pandemia do novo coronavírus revelou um lado sombrio no que diz respeito a abusos contra mulheres. O número de denúncias por meio do canal 180 aumentou 40% em abril, quando o Brasil já estava um mês em isolamento. A pesquisa do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH), faz a comparação com o mesmo período do ano passado. Ao mesmo tempo que os dados trazem esperança quanto à possíveis penalidades aos agressores, evidencia o fato de que, “trancadas” em casa devido à Covid-19, a mulher está mais suscetível a ser agredida no ambiente doméstico.

O número expressivo de abusos e as constantes notícias sobre o assunto, foi a inspiração para a criação do perfil Exposed de Montes Claros, no Instagram. Por segurança, vamos preservar o nome e o gênero do criador, cujo vamos denominar apenas como administrador. Em entrevista ao Portal Webterra, ele revelou ter medo de retaliações diante das muitas ameaças que o perfil já recebeu.

“A página surgiu quando percebi, na quarentena, o enorme número de notícias nos veículos de comunicação sobre abusos, estupros, assédios e violência doméstica contra as mulheres; isso começou a me influenciar negativamente”, diz.

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A pessoa responsável pela página tem 30 anos; formação em curso superior pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), e como tantas mulheres e homens, também já sofreu abuso. Ser vítima do crime também serviu como incentivo para se dedicar ao perfil que atualmente conta com mais de 5,4 mil seguidores.

“Já sofri abuso na infância e na vida adulta tive relacionamentos abusivos. Por essa razão criei a página com intuito de informar pessoas que também passam pelas mesmas situações, se identificando com os relatos que são expostos e conscientizando sobre os crimes que elas sofrem”, revela.

Além de posts informativos sobre abusos, assédios, estupros, pedofilia, crimes e penas, o Exposed conta com um grupo de apoio jurídico e psicólogo, as vítimas podem solicitar atendimento de forma gratuita. Além disso, o perfil divulga o trabalho de mulheres empreendedoras, “para dá visibilidade, visto que as mulheres são desvalorizadas em todos os setores da sociedade”. Este serviço também dá maior segurança às usuárias de determinados seguimentos, como aplicativos de corridas e táxi.

Relatos das vítimas

O administrador da página conta que através de um depoimento várias outras vítimas se identificam e enviam relatos pessoais. Os seguidores que entram em contato autorizam a divulgação, desde que seja preservada a identidade deles.

“A interação com as vítimas é bacana, elas vão aos poucos se abrindo e sentindo-se confortáveis em expôr seus relatos. Sabemos o quanto é difícil falar sobre esse assunto, e sempre reforçamos que o anonimato será preservado, e que não iremos publicar nada sem o consentimento das mesmas”, diz.

Os relatos são os mais variados e os abusos ocorrem no dia-a-dia, em lugares muitas vezes improváveis, como esta vítima relatou. “Estava voltando do trabalho em uma lotação aqui de Moc, como de costume sentei no fundo. Sentou um rapaz do meu lado e simplesmente me mostrou o pênis. Eu sai correndo”, contou.

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Na postagem a vítima ainda disse que ninguém fez nada e lamentou que nessa situação o homem saiu impune.

Outra vítima que relatou o abuso que sofreu, tem atualmente 20 anos. “Eu tive acesso a página através de uma amiga e comecei a seguir. Depois de diversas postagens tive coragem de expor o que havia acontecido comigo na infância, algo que foi extremamente traumatizante, humilhante e vergonhoso. Como eu sei que o criminoso está vivo, ele poderia fazer várias outras vítimas”, contou.

Ameaças

A repercussão da página tem sido positiva na opinião do administrador, por estar dando voz às mulheres. Mas isso não impediu que o perfil sofresse ameças. “Os relatos geram muita polêmica até mesmo pelo padrão de pensamento da sociedade, onde a vítima é culpada e não o criminoso. A gente precisa mobilizar para conscientizar essas mulheres desses crimes que acontecem dentro de suas próprias casas e até mesmo em outros estabelecimentos como academias, restaurantes, bares e escolas”.

As ameaças via direct vieram de autores dos crimes relatados por diversas vítimas e algo comum, porém o que entristece o criador do perfil, são as retaliações vindas de mulheres. “Essas que falam tanto em sororidade, mas a sororidade delas é quando convém, ou não sabem o verdadeiro significado da palavra. A gente expõe essas pessoas no feed, porque não temos medo de ameaças ou rechaças, não vamos defender autores de crimes e mulheres cúmplices”, salienta.

Algumas vítimas no entanto, após autorizar a divulgação do relato, pede ao perfil para que delete a mensagem, pois muitos agressores conseguem identificar que estão falando deles, e faz ameaça às próprias denunciantes. Na opinião do administrador, para que os abusos acabem, são necessários muitos avanços e é preciso, principalmente, que as leis sejam aplicadas de fato, para que os crimes não fiquem impunes.

“Tem que acabar com o padrão cultural de violência contra às mulheres, o machismo estrutural ocorre até mesmo entre as próprias mulheres. Muitas não acreditam nos relatos, principalmente quando é alguém conhecido ou tem algum parentesco. O combate à violência doméstica no Brasil, apesar do avanço na legislação que persegue e pune os agressores, ainda tem um tortuoso e longo caminho pela frente”, finaliza.

Importante ressaltar que apesar da importância dos relatos no perfil, a vítima ou pessoa que tenha presenciado qualquer ato de violência, deve procurar, imediatamente, a polícia ou entrar em contato por meio da central 180: a ligação é gratuita e a denúncia pode ser anônima.