Montar um quebra-cabeça exige paciência, uma peça encaixa na outra de maneira única; nenhuma pode ocupar um lugar diferente. Uma peça depende da outra, mas a ordem em que ela é colocada, não. O logotipo da peça do jogo remete a ideia de que pessoas autistas são difíceis de compreender como jogo de montagem. Mas essa mesma dificuldade não se aplica ao amor de mãe.
Rejane Souza da Silva é mãe de Nicolas Guimarães, de seis anos anos. Ela o adotou quando ele tinha apenas quatro meses de vida e só descobriu que o menino era autista, anos mais tarde. “O Nicolas veio de um histórico de vida muito complicado, então eu associava os comportamentos dele e o atraso da fala a esse histórico. E por incrível que pareça, ele começou a fazer psicoterapia aos três anos de vida por causa de bruxismo (ranger de dentes). Então foi a psicóloga que levantou a hipótese dele ser autista”, disse.
O diagnóstico veio aos três anos e meio. Rejane conta que não conhecia muito sobre o autismo, mas na medida em que estudava e pesquisava sobre o assunto conseguia enxergar que o filho estava dentro do espectro autista.
“Receber o diagnóstico não foi fácil, afinal o inesperado, ‘o diferente’, nos causa medo. Passei por período de luto, esse período é importante, ele me permitiu entender que o diagnóstico foi o ponto de partida para eu buscar meios para ajudar meu filho a se desenvolver”.
Nesta quinta-feira (2 de abril) é comemorado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a estimativa é de que no mundo exista 70 milhões de pessoas com autismo; dois milhões somente no Brasil. De acordo com a médica psiquiatra e referência em autismo e deficiência intelectual, Gislene Alves da Rocha, o Transtorno do Espectro Autista (TEA), possui alguns sinais são essenciais para o diagnóstico.
“O Transtorno do Espectro Autista é um dos transtornos do neurodesenvolvimento, que envolve um modo diferente de funcionamento em determinadas áreas, e que geram transtorno na vida da pessoa ou de outros. Para se enquadrar no TEA, é necessário existir um déficit na comunicação e interação social, associados a comportamentos e interesses restritos. Outros sinais importantes são disfunção sensorial, déficit em teoria da mente, em teoria de coerência central e padrão de inflexibilidade mental”.
A especialista destaca que comparado a uma criança com desenvolvimento padrão, o Autismo é uma condição que compromete a capacidade de se comunicar com os outros. “Se não bastasse, a presença de “manias” , posturas ou atos repetitivos, rituais e interesses restritivos independente do público ou local em que a criança portadora esteja. Isso desarticula e fragmenta ainda mais a evolução de suas habilidades sociais e adaptativas nos desafios que o ambiente imprevisivelmente apresenta”.
Para a psiquiatra é muito importante reconhecer que este comportamento é irresistível e se nada feito pode ser irreversível. “Muitas crianças com autismo podem ter surpreendente evolução e até ‘sair’ do espectro, mas isto depende de muitos fatores dentre eles o diagnóstico precoce, especialmente abaixo dos três anos de vida”.
Instituições que fazem a diferença
Montes Claros conta com o trabalho de três SERDIs: Serviço Especializado em Deficiência Intelectual e Autismo. A Apae, o Capelo Gaivota e o Vovó Clarice. Eles são referência para a microrregião. Além deles, a cidade possui a Associação Norte Mineira de Apoio ao Autista (Anda). A entidade foi fundada em junho de 2009 por seis famílias de crianças e adolescentes diagnosticados com o TEA com a finalidade de promover os direitos dessas pessoas, prestando assistência à saúde, à educação, assistência social, cultural, lazer e a integração, é o que revela a atual presidente e uma das fundadoras da Anda, Vanda Dias do Amaral.
“Na época não tínhamos no que apoiar e essas famílias se apoiavam e uma ajudava a outra. Então, a motivação, de criar a Anda foi essa de ajudar, também, outras famílias. Na época, aqui em Montes Claros a gente não tinha informação do que era autismo, tanto que tivemos que levar nossos filhos, para ter o diagnóstico, fora de Montes Claros”.
Segundo ela, os serviços são prestados por voluntários e através de parcerias com faculdades de ensino da região são realizados atendimentos gratuitos nas áreas de integração sensorial, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia, psicopedagogia, neurologia, além de dinâmicas de grupos.
O Nicolas, filho mais velho da Rejane, faz parte da Anda desde fevereiro de 2018. Para a mãe, a entidade é extremamente importante, pois foi lá que ela conheceu pais e terapeutas que lutam pela mesma causa dela. “Através da convivência de mães de crianças autistas, e até mesmo com os próprios autistas na associação, aprendi muito sobre valores importantes. Além de oferecer suporte terapêutico para crianças autistas, a Anda também apoia as mães o que é importante para nós”.
Hoje, com quase seis anos, Nicolas faz acompanhamento multidisciplinar com fonoaudióloga, psicóloga comportamental, terapeuta ocupacional, psicopedagoga, e além disso, frequenta sala de recursos e faz natação duas vezes por semana. A consulta com neuropediatra são realizadas a cada três meses. “Tais tratamento foram e são importantes para o Nicolas, as terapias ajudam muito no desenvolvimento. O Nicolas avançou muito nesse quase três anos de tratamento. É um tratamento de resultado a longo prazo, mas vale muito a pena”, diz a mãe.
Para quem sente na pele a luta de uma família com um membro autista como a Rejane, fica um só recado para esse dia. “Desejo que 02 de abril seja todos os dias. Que a sociedade se conscientize e se informe sobre o autismo, pois só assim, nossos filhos autistas serão aceitos e inclusos de fato”, finaliza.
**Escrita pelo repórter Carlos Alberto Jr.