‘Medo, acho que todos temos que ter. Todos!’, diz pessoa em situação de rua sobre a pandemia do coronavírus em Montes Claros

O avanço dos casos suspeitos de coronavírus em Montes Claros expõe, sobretudo, pessoas em situação de vulnerabilidade e menos favorecidas, como trabalhadores autônomos, famílias sem moradia ou em habitações precárias, usuários de transporte público, população prisional e pessoas em situação de rua. Quem vive nas ruas da cidade está exposto a contaminação por diferentes motivos. […]
Fotos: Fábio Marçal

O avanço dos casos suspeitos de coronavírus em Montes Claros expõe, sobretudo, pessoas em situação de vulnerabilidade e menos favorecidas, como trabalhadores autônomos, famílias sem moradia ou em habitações precárias, usuários de transporte público, população prisional e pessoas em situação de rua.

Quem vive nas ruas da cidade está exposto a contaminação por diferentes motivos. Uma dessas 260 pessoas nessa situação na cidade é a R.F. que está nas ruas há sete anos. Ela conta que antes tinha uma vida relativamente normal com casa e família, mas algumas atividades ilegais a levaram a ser presa e, após cumprir a pena, ela conheceu uma pessoa na qual iniciou um relacionamento que  resultou ir viver na rua.

“Por essa pessoa larguei tudo, meus filhos, minha casa, minha família. Eu vim pra rua viver uma vida que eu nunca tinha vivido. Esperar por um prato de comida de alguém, como eu sempre trabalhei, nunca precisei esperar. Nesse momento que fui pra rua eu aprendi muitas coisas, quebrei minha cara muitas vezes e me levantei muitas vezes. Mas sozinho a gente não consegue. Primeiramente Deus vem na frente e muitas pessoas, como todas essas aí vem ajudando todo mundo”, conta.


A Política Nacional da Assistência Social (PNAS) preconiza que todas as pessoas que utilizam os espaços públicos e que estão com os vínculos familiares rompidos ou estremecidos são classificadas como população em situação de rua. Mas o Secretário de Desenvolvimento Social, Aurindo José Ribeiro, explica que nem todas essas pessoas moram, literalmente, nas ruas.

“As 260 pessoas são referenciadas por nossa equipe de abordagem que diariamente estão nas ruas trabalhando. Vale ressaltar que destas incluem os artistas de rua, os pedintes e as pessoas que estão de passagem pela cidade, todos com vínculo familiar”. Ainda segundo secretário, a prefeitura encaminha em média 70 pessoas que estão de passagem no município para as cidades de origem. “Portanto, somente 30 pessoas não possuem nenhum vínculo familiar, ou seja, estes 30 moram nas ruas”, revela.

Locais de acolhimento durante a pandemia


Com a pandemia do novo coronavírus e as restrições de isolamento social os montes-clarenses viram a rotina mudar completamente. Grande parte da população se conscientizou e está em casa. Com as vias urbanas quase vazias, quem entra em cena são aquelas pessoas que, muitas vezes, passam despercebidas no dia-a-dia; a presença de pessoas em situação de rua nas calçadas protagoniza uma só pergunta: e quem não tem para onde ir, o que fazer?

Durante coletiva de imprensa do Centro Integrado de Comando e Controle do Coronavírus, na última terça (31), a Secretária Municipal de Saúde Dulce Pimenta, afirmou que existe dificuldade para ajudar as pessoas em situação de rua, no que diz respeito ao financiamento.

“Não temos ainda um definição de financiamento tanto por parte do Governo Federal como do Governo Estadual. Estão ficando ainda sob a responsabilidade do município e também de voluntários que estão envolvidos nesta causa”, afirmou.

A secretária ressaltou que todas as pessoas em situação de rua da cidade serão acolhidos durante a pandemia. O grupo será divido e encaminhado para dois locais. “Em um deles estaremos recebemos esse grupo assintomático, que não tenha nenhum sintoma de quadro gripal, e em outro local aqueles com sintomatologia, quer dizer: que tenha algum quadro clínico para resfriado. Também estão sendo elaboradas ações para distribuição de alimentos para essa população, onde possa estar sendo garantidas as refeições ao longo do dia”.

O Secretário de Desenvolvimento Social confirmou que o local que vai receber as pessoas sem sintomas da gripe é a casa de passagem que foi inaugurada no dia 18 de março, no Bairro Vila Oliveira. A estrutura tem capacidade para atender 60 pessoas, homens e mulheres, e oferece banhos, refeições, serviços de lavanderia.

O outro espaço que receberá essas pessoas, mas com sintomas gripais, será o ginásio Ana Lopes, que já está sendo preparado e equipado. Os encaminhamentos serão realizados pela equipe de consultório na rua. Esse grupo é disponibilizado pela Secretaria de Saúde de forma permanente pra o atendimento às pessoas nessa situação e conta com profissionais da saúde incluindo médicos.

Enquanto o espaço não fica pronto os moradores já contam com o Núcleo de Atendimento ao Migrante que funciona no Terminal Rodoviário da cidade e com o Centro POP, localizado no Bairro Canelas, com uma equipe técnica que oferece refeições com acompanhamento nutricional.

A personagem R.F, que falou com a nossa reportagem tem família, mas disse que não quer voltar para casa mesmo estando ciente do perigo que corre nas ruas, ainda mais agora, com a pandemia do novo coronavírus. “Com toda sinceridade, sabe qual é o meu maior medo? É sair daqui, ir pra minha casa, ver minha mãe, ver meus filhos, minha família e passar qualquer tipo de doença, até uma gripe pra eles. Agora, deixar com medo [coronavírus] acho que todos temos que ter. Todos! Nenhum de nós estamos livres disso”, desabafa.

Ações voluntárias

Antes mesmo das ações preparadas pelo município em combate ao coronavírus, o Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH Norte) vem realizando trabalhos para ajudar as pessoas em situação de rua neste período de pandemia. A coordenadora da entidade, Júlia Veloso, conta que o município avançou nas políticas para essa população, mas ainda são necessários ajustes.

“A maior preocupação é com o abrigamento dessa população para se proteger da contaminação, a conscientização sobre a delicadeza da situação em que vivemos e a disponibilização de estruturas e materiais para higienização”.

O CRDH Norte é um equipamento social executado pela Cáritas Brasileiras em parceria com o Estado de Minas Gerais (SEDESE) que atende e monitora as violações de direitos humanos da população em situação de rua no município de Montes Claros. Desde 2019 realizam trabalhos em parceria com a Pastoral do Povo na Rua e Pastorais Sociais da Arquidiocese de Montes Claros e diversas outras instituições.

Atualmente o grupo visita cerca de nove pontos da cidade onde os moradores ficam concentrados. O trabalho, que antes era feito uma vez na semana, agora é realizado diariamente por causa da pandemia do coronavírus, com entrega de alimentos e produtos de higiene pessoal.

“Recebemos as denúncias e fazemos um trabalho de orientação para as pessoas cujo direito foi violado, além de dar encaminhamentos para a rede de proteção, acionando parceiros ou órgãos como o Ministério Público e Defensoria Pública, por exemplo.” finaliza a coordenadora.

A importância das ações desses grupos voluntários é evidenciada na fala de  R.F. chorando, ela se refere a eles como parte da família dela. “Praticamente é a minha família. Em primeiro lugar vem Deus e depois vem cada um deles. Até hoje nunca me deixou sozinha. Pra mim significa tudo, desde o momento que eu coloquei meus pés na rua, até o momento, até o dia de hoje eles é tudo (sic) na minha vida!

 

**Escrita pelo repórter Carlos Alberto Jr.