Brumadinho: instituto criado por mãe em luto quer semear reconstrução

Foto: Rede sociais/Divulgação

Os dias não são mais pares e ímpares, nem vão de segunda a domingo. O que conta para Helena Taliberti é se hoje a tristeza profunda vai dar 24 horas de trégua para que se levante e vá em busca de um novo sentido para continuar a jornada. “Eu acho que viver essa tristeza, essa dor, ela tem que ser vivida conforme ela se apresenta mesmo. Tem dias que ela não é tanta, que você consegue olhar um pouco mais para cima. Então, vamos olhar para cima. Mas, no dia seguinte, você vai cair de novo e vai. Vai cair de novo”.

Helena estava passeando na Avenida Paulista enquanto seus dois filhos, a nora e o neto Lorenzo, ainda em gestação, estavam na pousada Nova Estância, em Brumadinho (MG), acompanhados pelo pai e a madrasta. Foram conhecer o Instituto Inhotim, o maior museu a céu aberto do mundo e sede de um dos mais importantes acervos de arte contemporânea do país.

“Eu fico imaginando quem viu e foi soterrado. O que pensou quando viu? Uma coisa é você estar no mar e vem uma onda grande. Você tapa o nariz e se enfia dentro da água, né? Ai, a onda passa e você sai de novo.”

Os rejeitos de minérios, hoje se sabe, a partir do trabalho de especialistas em geotecnia contratados pela Vale, inundaram as imediações da cidade com a violência de uma catástrofe. Durante 40 anos, a Barragem B1, no córrego do Feijão, acumulou doze milhões de metros cúbicos (m³) de rejeito de minério de ferro. Em cinco minutos, 10 milhões de m³ vazaram da estrutura, a uma velocidade de 80 quilômetros (km) por hora. Foi uma onda gigante, como diz Helena, arrastando o que viu pela frente.

Camila tinha 31 anos, era filósofa e advogada especializada em direito digital, além de dar assistência jurídica gratuita a mulheres vulneráveis, como as vítimas de violência doméstica. Luiz 29 anos, era surfista e arquiteto. Tinha acabado de ser nomeado diretor na empresa em que trabalhava, na Austrália. A nora, Fernanda, estava no quinto mês de gestação.

Foto: Agência Brasil/Divulgação

Helena encerra as frases com pausas longas. Há lacunas que as palavras não conseguem preencher. O vazio também não. Mas seis meses depois da tragédia, no dia 25 de julho do ano passado, surgiu o Instituto Camila e Luiz Taliberti. Uma ideia dos amigos para a formação de um acervo digital que incorpore as lutas em defesa dos direitos humanos e do meio ambiente.

“O Instituto não tem uma atuação assistencialista. Ele é um Instituto para dar voz. Muito mais voz daquilo que está acontecendo de fato. Mas não com uma conotação de denunciar para alguma coisa negativa. Não é isso. É dizer o que está acontecendo para achar soluções. Não é a denúncia pela denúncia. É o contar, o falar para solucionar, para mudar uma realidade. Não é para ficar no negativo. Não.” Mais adiante, empolgada pela fé no ser humano, Helena diz: “Eu acho que essa geração tem muita sede de mudança.”

“Seremos sim um acervo digital. O mais completo que a gente puder ser,” diz Helena. Desde que foi fundado, o Instituto tem recebido apoio intelectual de artistas, cineastas, jornalistas, engenheiros, sociedade civil. E quer promover debates, apoiar pesquisas, projetos que tenham a preservação do meio ambiente e empoderamento de grupos ligados aos direitos humanos.

Vestida com a roupa que era de Camila Taliberti, Helena reconhece no Instituto a feição dos filhos. “Tá nisso o trabalho que ela [Camila] fazia voluntário. Tá nisso essa questão da generosidade e o Luiz é essa questão do que passou é passado, do vamos mudar daqui para frente. Vamos olhar porque se a gente fica presa no passado, a gente não olha para frente. A gente fica lá. Você não é o agente de mudança. Pelo contrário, é uma âncora no negativo. Eu acho que juntar a generosidade com o perdão, e as questões do meio ambiente é exatamente ver onde é que esse meio ambiente está sendo machucado. Não existem mais dois lados. O nós contra eles não me leva a nada, concorda? Mais do que isso. Eu sei bem quem eu sou. Eu posso ser um nós com eles nessa questão. Vamos ver o que se faz, como é que a gente pode melhorar? Esse é o nós com eles. É o ver com o que tá acontecendo e ver como podemos fazer. E o nós e eles é de fato a ação. Vamos fazer de alguma forma. E eu não sei qual é essa forma. O Instituto está aí para isso“.

O rompimento da Barragem do Córrego do Feijão deixou 272 mortos – 259 corpos foram encontrados e os dois bebês que eram gestados estão nessa conta – o neto de Helena, Lorenzo e Maria Elisa é um deles. Onze pessoas permanecem dentro da lama de rejeitos.

Os especialistas contratados pela Vale chegaram a uma conclusão para as causas da tragédia. O nome técnico é liquefação. A barragem perdeu resistência significativa e repentina. A água passou a predominar entre os rejeitos e se tornou predominante. Contribuíram para esse desastre um paredão íngreme demais e o alteamento, ou seja, as ampliações de barragem que passaram a ser feitas sob rejeitos finos. O relatório também concluiu que a drenagem interna não era suficiente. E a alta concentração de ferro junto com a chuva, levaram ao colapso.

A liquefação também foi o que fez a barragem de Mariana, em 2015, arrebentar. Sobre assuntos técnicos, Helena não comenta. Mas sabe que os pontos de contato são muitos. Sobre o luto, ela diz:

“Um luto que interrompeu a minha vida completamente. Eu perdi minha filha, meu filho, minha nora, meu neto. A família acabou! Não tem mais ninguém daqui pra frente. Eu não vou ter outros filhos. Eu não vou ser avó. Acabou. É um luto que tem um peso muito grande. E esse luto poderia ter sido evitado.” E completa: “o que me move mais ainda, essa morte deles, assim como das outras vítimas, não pode ter sido em vão. Além de não ter sido em vão, também não pode repetir. Porque se teve mariana e repetiu Brumadinho, vai repetir de novo? Não pode, né? Repetir não pode!

Neste sábado, às 12h28 o Instituto promove um minuto de silêncio na avenida Paulista. A hora marca o começou um barulho, provocado pelo desmoronamento da parede de sustentação da Barragem 1. O Instituto pode ser acessado pelo endereço no Facebook. O lema a presidente Helena Taliberti vive no dia a dia: “Eles tentaram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes.” Helena é a semeadora.

Fonte: Agência Brasil