Telas: uso excessivo nas escolas pode afetar aprendizado de alunos

Na última sexta-feira (2/2), a prefeitura do Rio de Janeiro (RJ) publicou um decreto proibindo o uso de celulares em escolas públicas municipais, tanto dentro quanto fora da sala de aula. Segundo o governo, a decisão é embasada em diversos estudos que mostram quão nocivo pode ser o uso excessivo de telas. Um desses estudos é o relatório do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa) da OCDE, que aponta que 45% dos alunos se sentem nervosos ou ansiosos sem seus celulares e 65% se sentem distraídos pelo uso de dispositivos digitais.

Diversas pesquisas reforçam essa questão e mostram ainda que o uso excessivo de telefones celulares impacta o aprendizado de alguma forma. Ponto levantado também no Relatório de monitoramento global da educação, de 2023, intitulado “A tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?”. Esse relatório foi utilizado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) para levantar ainda um outro ponto: as telas, quando pensadas para o aprendizado nas escolas, precisam ser usadas como uma ferramenta e não para substituir a interação humana.

Conforme especialistas, o uso exacerbado de telas, não só como ferramenta de aprendizado, mas também como lazer, pode ser um problema do ponto de vista neurológico. No caso do uso nas escolas, pode levar o aluno à exaustão mental. Muitas instituições têm utilizado tablets e smartphones como ferramentas para auxiliar o ensino, usando-as, por exemplo, na leitura de textos virtuais para atividades de literatura.

A tese sobre a exaustão mental é levantada pelo pós-doutor em estudos da criança e pesquisador na área de saúde mental Hugo Monteiro Ferreira. “Quando a escola usa excessivamente a tela, como por exemplo ocorreu durante a pandemia, causa uma exaustão mental”, afirma. “Cansa muito ler na tela, né? Cansa muito a posição do corpo, mentalmente cansa muito, você tem uma hiperatividade e uma hiper atenção para poder ler na tela. A tela não é a mesma coisa de você ler no papel”, avalia.

Hugo lembra, por exemplo, que os jovens criaram uma certa ojeriza pelas aulas on-line durante a pandemia, ao passo que buscaram alternativas a elas. Curiosamente, essas alternativas também estão em telas, mas que proporcionam sensações diferentes. Ele exemplifica lembrando que os jovens adoram maratonar séries e passar várias horas na frente da TV. Mas esses mesmos jovens não terão paciência para as atividades pedagógicas com telas.

Ansiedade

Em geral, o uso de celulares de forma excessiva no dia a dia pode gerar ansiedade, isso porque atinge diretamente uma parte do cérebro ligada ao campo emocional. Hugo explica que o uso de telas aumenta a dopamina (conhecida como “hormônio da felicidade”), mas o aumento da dopamina vai provocar o excesso de ansiedade. “Com excesso de ansiedade você reduz a ocitocina e a noradrenalina, que são os dois neurotransmissores responsáveis pela vitalidade. Então você vai ter um desencadeamento de síndrome ansiosa e ao mesmo tempo um desencadeamento de síndrome depressiva”, explica.

É como um efeito dominó. “Você muito provavelmente terá adolescentes e jovens que vão desenvolver sinais psicopatológicos, porque a sua ansiedade deixará de ser algo que faz parte do seu organismo e passará a ser algo que traz sintomas de adoecimento. Isso vai mexer nas suas funções mentais, vai mexer na atenção, na sua afetividade, e mexendo na sua afetividade vai mexer no seu humor”, comenta.

Isolamento

Outro ponto negativo do uso das telas é o isolamento. Hugo lembra que a pessoa que usa as telas excessivamente se isola de uma relação “face a face”, e isso provoca até mesmo dificuldade de desenvolver empatia e sentimentos com o outro.

“As interações sociais são diminuídas significativamente. Você terá, portanto, um problema no campo do letramento social, terá uma dificuldade de interação social, mais dificuldade de troca, e isso não está desatrelado do campo neurofisiológico”, aponta.

O papel e a importância dos pais e da escola

A psicóloga e docente do curso de psicologia no UniBH, Renata Ghisleni, lembra que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) tem diretrizes muito bem definidas quanto ao uso de telas para cada faixa etária. Além das questões neurológicas, há ainda problemas oftalmológicos que podem ser desencadeados. E a gestão dessas horas precisa ser pensada pelos pais, com auxílio da escola.

Segundo a SBP, crianças de até 2 anos não deveriam se expor a telas. Já as de 6 a 10 anos, podem usar de uma a duas horas por dia. E entre 11 e 18 anos, de duas a três horas por dia. “A escola tem que moderar essa utilização e ajudar os pais. De que modo as famílias podem fazer um uso mais saudável da tecnologia?”, questiona Renata.

A psicóloga lembra ainda que crianças e adolescentes precisam de estímulos variados para o bom desenvolvimento. Isso significa oferecer contato com ambientes diferentes, objetos diferentes, um passeio na natureza ou uma atividade presencial que estimule diferentes pontos no cérebro.

“Lembrando que crianças e adolescentes estão no momento de desenvolvimento, de maturação. Quanto mais estímulos a gente oferecer, não em quantidade, mas quanto à diversidade, especialmente a uma criança numa faixa etária de desenvolvimento, isso terá repercussões muito boas”, pontua. “Se a gente apresenta a tela como o único recurso, a gente empobrece muito essa série de conexões”, pondera.

Como funciona em Minas Gerais?

Sobre o tema, Minas Gerais possui, inclusive, legislação vigente para o controle de celulares no ambiente escolar. De acordo com a Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG), o uso de aparelhos celulares nas escolas da rede pública estadual de ensino é regulamentado pela Lei estadual nº 23.013, de 2018. “Conforme legislação vigente, no ambiente escolar, os celulares devem ser usados estritamente com finalidade pedagógica e assuntos inerentes ao contexto educacional”, diz a secretaria.

A pasta lembra que, no início de 2022, lançou o guia “Uso de smartphones como ferramenta pedagógica”, documento que orienta as escolas sobre as formas de utilização dos aparelhos em sala de aula e acesso aos recursos pedagógicos disponibilizados pela pasta.

Na rede particular, o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (SinepeMG) também estabelece diretrizes sobre o tema. O sindicato diz que tem atuado “pontualmente no contexto das demandas que envolvem essa questão” e que o uso de telas e celulares nos ambientes educacionais “é tema recorrente”.

“Algumas de nossas escolas associadas, por exemplo, estatutariamente, já proíbem o uso de celulares em sala de aula por estudantes e professores. Porém, naturalmente, trabalham o uso da tecnologia com o uso de equipamentos e ferramentas que usam telas de interação, de forma pontual e diretiva, de acordo com as finalidades orientadas para as exigências dos conteúdos ministrados”, afirma o porta-voz e superintendente do SinepeMG, professor Paulo Leite.

O porta-voz reforça ainda as questões apontadas pelo relatório da Unesco, citado no início dessa matéria. “Há, realmente, um prejuízo no processo de aprendizagem e na formação dos estudantes, por causa de aplicações desvirtuadas no uso dessas poderosas ferramentas de tecnologia”, diz. “Este aspecto trouxe um enorme desafio para os educadores, no sentido do entendimento e da aplicação da tecnologia como um meio, e não como um fim no processo pedagógico”, comenta, lembrando da importância do uso da tecnologia com moderação.

[Com informações de O TEMPO]