Coluna Sal da Terra: choque de realidade

Choque de realidade.

Escrever para um portal de notícias é uma importante escola.

Ensina a ler este imenso país, este continente. Ensina a ler o mundo com a sua enorme diversidade e complexidade.

O trabalho de escrita de uma coluna é uma escola para o meu exercício literário.

É que aqui eu estou a escrever para alguém, pra o outro, aqui tem a presença de um destinatário, que não conheço.

E no sentido mais profundo do termo, eu descubro personagens para revelar a existência de pessoas e das suas histórias de vida.

Tenho personagens reais e fictícias. Hoje falo do Milei: sempre desconfio das pessoas que se dizem muito seguras, cheias de certezas, sem fazer grandes perguntas.

Nas suas franquezas apresentam-se como pessoas inteiras, convictas, mas nem sempre são.

A maioria das vezes estas personagens caminham pelos territórios movediços da dúvida.

É deste material humano que o personagem que compõe a minha coluna desta semana se apresenta.

São fragmentos da vida, que dão testemunho de choque de realidade.

Milei é um ótimo personagem pra gente falar sobre choque de realidade.

Escrevo com uma certa expectativa em relação ao novo governo da Argentina, mas sugiro: o grande desafio de qualquer governo é humanizar a vida.

Aposto também num abraço entre Argentina e Brasil através da política e da literatura.

Acompanho com muita esperança e mantenho-me o mais possível informado.

Eu acho que Milei está numa fase de euforia, ainda vivendo o que era sonhado numa espécie de estado de graça.

É evidente que irão ocorrer aquilo que podemos chamar de choque de realidade.

Por muito que ele é guiado por desejos de ruptura.

Governar é outra coisa, é gerir o possível, é negociar diferenças e ceder em determinadas situações que nem sempre nos surgem claras a nós que não estamos no governo.

Mas é importante pensar que a Argentina não vai ter apenas um novo governo.

Vai ter de se refazer por inteiro e isso é obra que pede uma entrega, humildade e um entendimento de todos.

A construção de uma rede de diálogo onde havia apenas um rasgão da incomunicabilidade é talvez o maior desafio para a nação Argentina.

Depois de tanto ódio acumulado numa campanha, o grande desafio é como escutar o outro e como reumanizarmos todos juntos a nação comum.

A vida nos convida para sermos mais humildes em nossas certezas, a sermos mais abertos ao diálogo, reconhecendo que nossa perspectiva é apenas uma dentre muitas.

Em um mundo tão dividido, tal reconhecimento pode ser o caminho para a coexistência harmônica.