Um em cada quatro trabalhadores está subutilizado, o que representa 28,4 milhões de pessoas, o maior número já verificado no país. Neste grupo, estão os desempregados, aqueles que trabalham menos horas do que poderiam (ou gostariam) e, ainda, os desalentados, que, no último mês, por motivos diversos, sequer procuraram uma recolocação.
Na falta de dados para mensurar o cenário em Montes Claros – e na certeza de que a cidade acompanha essa triste realidade – sobram exemplos de que a força de trabalho se apequena, enquanto crescem a recessão no mercado e os motivos de preocupação, inclusive para a minoria que ainda conta com a sonhada (e escassa) carteira assinada.
Como não há estatísticas relacionadas ao desemprego em Montes Claros, os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) são os que melhor apontam para a realidade do mercado local. No mês de dezembro do ano passado foram abertos 1.231 empregos com carteira assinada na cidade. A performance é duas vezes melhor do que a verificada no mesmo período de 2018 (602) e é a melhor para o mês desde 2013.
Na análise dos últimos cincos anos, percebe-se que apenas em 2018 houve resultado positivo no ano (1.924). Em todos os demais, houve retração no mercado de trabalho em números expressivos. Em 2017, Montes Claros fechou 811 empregos com carteira assinada. Em 2016, foram menos 3.475 vagas celetistas. Em 2015, a perda chegou a 3.806 e, em 2014, foram menos 93 postos, em dados do Caged.
E a necessidade não espera a melhoria do cenário econômico, nem a retomada dos investimentos para ser aplacada. Basta dar uma circulada pelas ruas da cidade para identificar a proliferação de vendedores de pano de prato, caminho de mesa, frutas, água e picolé a cada esquina. Além disso, há inúmeros exemplos de famílias que estão fazendo da cozinha o novo lugar de trabalho, com o preparo de bolos, doces, salgados e marmitas para vender para fora. Quem não tem um familiar ou conhecido que obtém ou complementa a renda trabalhando como motorista por aplicativo? Para pagar o aluguel e manter os boletos em dia, trabalhar por conta pode ser a única alternativa viável e possível nesse momento.
Há três anos, Jeferson Rodrigues da Silva vende água e pano de prato nas ruas da região central da cidade. Ele iniciou (mas não concluiu) o curso de Educação Física em uma faculdade particular, trabalhou por 15 anos como vigilante profissional, ministrou aulas de musculação e aeróbica em academias, além de atuar como auxiliar de externa de uma emissora de televisão em Belo Horizonte. Nos últimos anos, fazia fretes e mudanças com um caminhão que quebrou, e ele não teve dinheiro para o conserto. Antes de chegar a Montes Claros, comenta, procurou emprego em mais de cem estabelecimentos, entre lojas, restaurantes e canteiros de obras na cidade de Belo Horizonte, sem sucesso.
Decidiu tentar a vida aqui, por ser uma cidade menor. Em Montes Claros, Jeferson Rodrigues atua como obreiro de uma igreja e cumpre jornada de nove horas por dia nas ruas, de segunda-feira a sábado. “Domingo é dia do Senhor”, explica. Mesmo sem citar números, ele garante que, com a renda do trabalho realizado sob sol e chuva, consegue garantir a sua subsistência. Para o vendedor autônomo, o maior incômodo é o sol queimando a pele. Andar entre os carros e vender os produtos não são problemas. “A crise no mercado de trabalho não acabou. Nada mudou nos últimos anos, parece até que piorou”, avalia.
Jeferson Rodrigues também procurou emprego com carteira assinada em Montes Claros, mas não conseguiu recolocação. “Sou qualificado para o trabalho com vigilância, tenho ampla experiência e, mesmo assim, não consegui uma oportunidade”, lamenta. Apesar de o rendimento ser considerado suficiente para levar a vida, ele afirma que gostaria de uma nova oportunidade com carteira assinada. Hoje, reconhece, está totalmente desprotegido em termos previdenciários. A intenção, diz, é se tornar um microempreendedor individual (MEI), para contar com cobertura e mais segurança na sua atividade.
Uma mulher de 26 anos, que prefere não ser identificada, está há cerca de um mês vendendo goiaba também na região central da cidade. Casada e com um filho de 6 anos, ela conta que vender fruta na rua foi a única alternativa que conseguiu para pagar o aluguel e as contas de casa. “Vende bem, o problema é a fiscalização correndo atrás da gente, como se fôssemos bandidos”, reclama. Ela diz que procurou, por mais de um ano, emprego com carteira assinada, não conseguiu e acabou desistindo. O trabalho nas ruas, afirma, causa insegurança, mas ela afirma que é a única alternativa possível no momento atual para a família. O marido também vende fruta em outro ponto da cidade.
Qualificação é o caminho na busca da carteira assinada
Para o economista e professor universitário Marcone Alves Cordeiro, um problema real é que o desemprego bate mais à porta dos menos qualificados. Para voltar ao trabalho, avalia, é preciso que os subutilizados se reciclem, o que nem sempre é possível, em termos financeiros, por quem está enfrentando essa situação. A busca pelo aperfeiçoamento, avalia, é uma forma de se preparar e estar apto para uma vaga futura que possa surgir.
A questão, destaca o docente, é que a informalidade pode até minimizar o problema imediato de necessidade de renda, mas cria outros, que vão desde o fato de o trabalhador estar desprotegido até a perda de arrecadação pelo Poder Público. “O trabalhador não tem garantia nenhuma, não tem carteira assinada, não tem acesso ao sistema de saúde, nem ao FGTS. Para a economia, é uma força de trabalho que não gera imposto e não entra no cálculo do PIB”. A informalidade, afirma Marcone Alves, é prejudicial para todos, tanto para o trabalhador quanto para o País. Por outro lado, pondera o professor, a formalização de um negócio, sem preparo, também pode estar fadada ao fracasso.
Em sua opinião, a contração vista no mercado de trabalho reflete a recessão econômica. Além da redução nos quadros em função da queda nas vendas, a mudança no perfil do mercado, com ocupações sendo modificadas ou extintas e o alto custo trabalhista são fatores que justificam o movimento de cortes. Para ele, mesmo polêmica, a reforma trabalhista mais ampla precisa acontecer à médio prazo. No curto prazo, a redução da burocracia e da alta carga tributária e o estímulo à capacitação e à formalização de negócios, via MEI, são necessidades proeminentes, diz. “A situação é muito grave”.
MEI é alternativa, com baixo custo, para sair da informalidade
O Jeferson Rodrigues, vendedor de pano de chão e água, já percebeu que a formalização via microempreendedor individual (MEI) é uma forma de as pessoas que estão na informalidade contar com cobertura previdenciária, adquirir renda e conseguir aderir à força de trabalho.
“É uma forma simplificada de abrir um negócio e contar com uma série de vantagens, com baixo custo”, avalia analista técnico do Sebrae, Walmar Magalhães Ferreira. Na cidade, há quase 25 mil MEIs. Só na região do Norte de Minas, 7.864 novos MEIs se formalizaram no primeiro semestre deste ano, alta de 209% na comparação com igual período do ano anterior, conforme dados do Portal do Empreendedor. O Sebrae não estima o universo em potencial. Não há números, mas sabe-se que são muitos e que tendem a crescer ainda mais.
Segundo Walmar Ferreira, o número de formalizações tem aumentado, em média, 3% ao mês, e a tendência é de crescimento, em função das restrições verificadas no mercado de trabalho. Em sua opinião, a falta de conhecimento sobre o processo que leva à constituição de um MEI e a falta de capacitação para montar um negócio são entraves para a expansão da modalidade. “Não é fácil. O empreendedor vai ter as mesmas obrigações de uma grande empresa em relação às questões trabalhistas e legais de mercado, além dos direitos do consumidor. A incerteza no momento de investir faz com que muitos não se arrisquem em formalizar o negócio”, explica o analista do Sebrae.
Ele destaca, porém, o baixo custo da formalização. A contribuição do MEI vai de R$ 50,90 a R$ 55,90, de acordo com a atividade exercida, já incluindo o pagamento de impostos e a contribuição previdenciária. “Na modalidade, não há outras contribuições, e o formalizado passa a ter direito a CNPJ, que facilita a abertura de conta corrente, a obtenção de crédito no mercado, a possibilidade de emitir nota fiscal e participar de licitações”.
Além das vantagens para o negócio, a analista cita os benefícios para o empreendedor, como o direito a benefícios, como salário-maternidade, auxílio-doença e aposentadoria. “É uma forma de inserir essas pessoas que estão na informalidade e não estão conseguindo emprego”. O bico, explica Walmar Ferreira, passa a ser o negócio oficial.
Entre os MEIs, os setores com mais representatividade, hoje, são salões de beleza, comércio varejista de artigos de vestuário e lanchonetes, além de serviços de pedreiro. Um nicho de mercado que Walmar Ferreira identifica é o de doméstica, que possibilitaria aos trabalhadores do ramo ampliar o mercado de atuação.
**Escrita pelo repórter Ricardo Arruda.