A miniatura de um vagão da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) se locomove pelos trilhos de uma maquete construída por um morador do Bairro Santa Rita, em Montes Claros, no Norte de Minas. Com os óculos equilibrados sobre o nariz e agachado na altura de sua obra, seu João Carlos da Silva ajeita sobre o trilho a peça vermelha com a sigla RFFSA pintada em amarelo – apenas uma de outros 20 modelos que coleciona. O ferroviário aposentado se tornou ferromodelista há um ano.
“Desde a minha infância, eu tinha o sonho de fazer uma maquete. Cheguei a fazer uma miniatura de trem com três vagões com latas de sardinha e carretéis. Eu armava no chão e puxava”, conta, lembrando que os recursos e as tecnologias de sua época de criança eram muito limitados em relação às possibilidades que existem atualmente. Pensando em deixar uma lembrança de sua vida na ferrovia, a intenção do senhor de 64 anos é presentear, no futuro, seu neto de apenas dois anos de idade. “Não é que eu queira que ele seja maquinista. Espero é que ele goste e tenha uma brincadeira sadia. É uma lembrança do vovô”, relata João Carlos.
Para adquirir sua coleção e construir a maquete, o aposentado estima ter gasto cerca de R$ 1 mil com peças adquiridas da empresa Frateschi Trens Elétricos, única fabricante de trens elétricos em miniaturas e réplicas de composições reais na América Latina. O ferroviário também utilizou materiais recicláveis para criar funcionalidades e tornar a obra ainda mais interativa.
Colheres de plástico retorcidas simulam postes que abrigam a iluminação pública feita de led, interligada por fios de cobre por onde passa a energia elétrica. Pequenos brinquedos, como carrinhos e bonecos, ajudam a compor o meio urbano, decorado com árvores e um carrossel emprestado da neta mais velha. Pelo longo túnel construído de gesso, os vagões têm mais uma opção de passagem, além daquela que contorna a pequena cidade.
O mais engenhoso são as cancelas que impedem o trânsito de carros, como aquelas já conhecidas pelos juiz-foranos que passam por cruzamentos com linhas férreas. Quando o trem passa por determinado ponto dos trilhos, o peso do vagão pressiona um botão que aciona a cancela, abrindo ou fechando. Em outro ponto, é possível acionar o sino que avisa da aproximação do trem. Nos trilhos, polos negativo e positivo transmitem a corrente elétrica que passa para as rodas e os motores dos minivagões, provocando o movimento. Doze volts de energia são utilizados para manter o sistema funcionando.
Entre vagões de transporte de veículos, minério, madeira e combustível, há também aqueles de passageiro. Sua aquisição favorita é uma réplica da Maria Fumaça, a locomotiva a vapor que marcou sua infância. Para ele, a característica que mais a distingue das máquinas atuais é o movimento visível das rodas expostas e interligadas. Por ter uma estrutura diferente, o modelo precisa de um trilho especial que está sendo construído por João Carlos. Ele conta que gostaria de ter um vagão de metrô, mas tem cautela em aumentar a coleção por conta do custo das peças.
Filho e irmão de ferroviários, João Carlos da Silva seguiu a profissão da família por 38 anos e três meses, contados no calendário. “Meu pai era porteiro da rede ferroviária e meu irmão era eletrotécnico. Meu sonho sempre foi ser ferroviário. Quando era mais novo, queria ser maquinista, mas nunca pude por causa da minha audição. Comecei como apontador e depois fui pegador de escala: pegava o maquinista para buscar o trem em outras cidades e descia pela ferrovia”, relembra. Para ele, o trem é o transporte mais interessante que existe, pela sua economia e capacidade de transportar grande quantidade de carga, sendo assim uma alternativa de transporte.
Com quase dez anos de aposentadoria, o ferroviário diz sentir falta de trabalhar na ferrovia e de conviver com as pessoas, e relembra um dos momentos mais marcantes que passou na Rede Ferroviária. Era noite de Natal quando sua família apareceu de surpresa no plantão para lhe fazer companhia. “O trem é o diploma que eu tenho, que me deu o meu trabalho, a minha casa e a minha família”, agradece.
**Escrita pelo repórter Ricardo Arruda