Passados três anos após a chegada das plataformas de deslocamento por aplicativo em Montes Claros, a necessidade de repensar e planejar o setor de transporte, de acordo com esta nova realidade, torna-se urgente. Com usuários cada vez mais conectados, outros serviços alegam queda significativa na demanda. A análise é de que o sistema de transporte deve ser reformulado como um todo, a partir de investimentos em qualidade e da compreensão das questões econômicas, sociais, culturais e de mobilidade urbana que englobam a atividade.
O sistema de transporte é responsável por gerar cerca de 9,5 mil ocupações na cidade, considerando aplicativos, ônibus e táxis e moto-táxis. Deste total, em torno de quatro mil são motoristas parceiros ativos das plataformas presentes na cidade, o que corresponde à quase metade deste universo. A consolidação desta atividade ocorreu em meio ao cenário de crise econômica e alto índice de desemprego e representou a oportunidade de geração de renda para muitos profissionais. De acordo com a estimativa da Associação dos Motoristas de Aplicativos de Montes Claros, cerca de 1.500 motoristas atuam de forma exclusiva nesta função. “São trabalhadores que sustentam suas famílias com esta fonte de renda. Para isso, trabalham muito, de dez a 12 horas por dia”, afirma o presidente da associação, Ricardo Odon Lima.
Os demais motoristas, avalia, têm o objetivo de complementar a renda. “Temos muitos aposentados e estudantes que trabalham nos aplicativos. É uma forma de conseguir um dinheiro extra para ajudar em casa, pagar os estudos e ter uma vida mais digna. A nossa atividade tem importância econômica e social”, avalia o líder sindicalista. “A nossa renda movimenta outros setores da economia. É um impacto positivo para postos de gasolina, comércio e construção civil. Temos histórias de motoristas que começaram trabalhando com veículo alugado e hoje têm o próprio carro e, também, de quem está pagando apartamento”, revela Odon.
Trabalhadores de ônibus e táxis estão apreensivos
Se, por um lado, há cerca de quatro mil profissionais que encontraram alternativa de renda em tempos de crise por meio dos aplicativos, do outro há muitos motoristas apreensivos com a possibilidade de desemprego. A migração dos passageiros de ônibus e táxis para as plataformas trouxe desequilíbrio da demanda entre esses meios de transporte e expôs a urgência de a Prefeitura repensar todo o sistema, de forma que ele se mantenha sustentável para os próximos anos.
Dados do Sindicato dos Taxistas e Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários de Montes Claros apontaram redução nas corridas de táxis este ano. “A média do nosso faturamento bruto por mês era R$ 7.033,00 no ano passado. Este ano passou para R$ 6.200,00. É com esse dinheiro que pagamos combustível e as outras despesas, que aumentaram nesse período. A margem de lucro só está caindo e, por isso, tem sido difícil encontrar motoristas que queiram trabalhar nos táxis”, diz o presidente da entidade, Antônio José Souto.
Segundo ele, a categoria reunia em torno de 1.250 taxistas, entre permissionários e auxiliares, em 2017. “Agora temos cerca de mil pessoas. Muitos carros que rodavam com dois motoristas agora circulam apenas em um horário, pois não há profissionais interessados”, explica Souto. Nos últimos dois anos, a frota também diminuiu.
Em tempos de crise, o usuário prioriza o preço e, infelizmente, nós taxistas estamos sem condições de concorrer com os aplicativos. “A nossa carga é muito pesada, temos uma série de exigências a serem cumpridas: recolhimento do INSS em dia, carro em boas condições para vistoria e com idade máxima de seis anos, além do próprio pagamento da outorga”, relata Antônio Souto.
Para o sindicalista, a regulamentação do transporte por aplicativo é o caminho para se chegar ao equilíbrio da demanda entre os meios de transporte. “Não podemos parar a tecnologia. É preciso dar condições para que os aplicativos continuem trabalhando sem prejudicar os ônibus e os táxis”.
Queda no número de usuários no transporte público
De acordo com informações do especialista em planejamento de transporte urbano e engenharia de tráfego, Pedro Costa Moreira, além da relevância econômica, as questões culturais, sociais e de mobilidade urbana devem ser consideradas na hora de repensar o sistema de transporte. “As novas tecnologias vieram para trazer mais uma opção aos passageiros e estão aí para serem usadas, fazem parte da cultura dos brasileiros e não há como fugir disso. Mas Montes Claros precisa melhorar o sistema como um todo, pois ele é insuficiente. Se continuar assim, não teremos mobilidade urbana e a cidade vai parar de andar”, relata Moreira.
Ele destaca que o aumento do transporte individual em detrimento do coletivo significa colocar mais carros nas ruas e, consequentemente, criar mais retenções no tráfego. Segundo Pedro Moreira, “o modelo de transporte público coletivo que temos está ultrapassado, esgotado. Como ele não atende os usuários com o padrão de qualidade que deveria ter, é normal que as pessoas migrem para o transporte individual, seja por meio dos aplicativos ou veículos próprios. Isto já tem causado dificuldades no trânsito, que só tendem a piorar nos próximos anos se nada for feito”.
Além da qualidade, o especialista avalia que o preço também é considerado pelos usuários. “Neste sentido, é preciso reformular o transporte público coletivo para que o número de passageiros pagantes não continue em queda. Se isto acontecer, a migração para o transporte individual será maior e teremos um problema social, em que os mais pobres terão que arcar sozinhos com todo o sistema”. Pedro Costa Moreira defende uma política de investimentos em qualidade, que ofereça mais conforto, agilidade, segurança e acessibilidade no serviço. Sobre os táxis, ele acredita que a regulamentação do serviço de aplicativo é necessária para equiparar os custos de ambos os meios.
**Escrita pelo repórter Ricardo Arruda