Vários são os problemas que moradores de aglomerados subnormais enfrentam diariamente, seja pela falta de infraestrutura nas residências, pelo domínio local de facções envolvidas com o crime e o tráfico de drogas, a falta de saneamento básico adequado e o esquecimento por parte dos setores públicos. Essa realidade que é encontrada em praticamente todas as médias e grandes cidades brasileiras não é diferente em Montes Claros, a maior cidade do Norte de Minas.
Uma pesquisa desenvolvida no ano de 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), que é realizada a cada 10 anos no país, mostrou que em Minas, 33 cidades possuem aglomerados subnormais, com uma população residente de 598.731 pessoas.
Em Montes Claros, carinhosamente conhecida como a Princesinha do Norte, são vários os problemas encontrados nos 14 aglomerados existentes de acordo com o instituto, tendo como destaque o Bairro Cidade Conferência Cristo Rei (CCR), o terceiro conjunto mais povoado no município, ficando atrás apenas da Vila São Francisco e do São Vicente no Bairro Santos Reis. Na comunidade são 499 residências que abrigam 2.075 pessoas, uma média de 4,2 moradores por domicílio.
Segundo dados da Polícia Militar, os aglomerados são os principais locais onde são registrados casos de tráfico de drogas na cidade. Nos anos de 2017 e 2018 o Conferência Cristo Rei, registrou os maiores índices dessa prática, seguido pelos Morrinhos, Vila São Francisco e Vila Mauriceia.
A vulnerabilidade econômica e social, é uma das principais questões que existem nos aglomerados, ficando a população desses locais a margem de direitos básicos como segurança, saúde, educação e a falta de políticas públicas específicas, o que deixa essas áreas ainda mais propensas ao domínio do tráfico e consequentemente ao aliciamento de jovens que veem nesse “trabalho” uma forma de conseguirem dinheiro fácil.
A vendedora Maria Luíza Duarte, de 19 anos, que a mais de quatro anos mora em um aglomerado localizado na região norte da cidade, conta os inúmeros problemas do bairro que para ela vive às margens do esquecimento.
“Aqui a maioria das ruas não são asfaltadas, quando chove é praticamente impossível passar, não temos linhas de ônibus suficiente para atender toda a população do bairro que na maioria são pessoas carentes. As construções são em péssimas estruturas o que coloca em risco a vida dos moradores, que vivem as margens do esquecimento por parte do poder público da nossa cidade”.
A jovem ainda destaca que a falta de policiamento no bairro fez com que o tráfico tomasse conta do lugar. “O único posto policial que funcionava aqui fechou, agora dificilmente uma viatura da polícia vem até o bairro. Desde o fechamento o tráfico de drogas que já existia, tomou conta do lugar, que já é desprovido de opções de lazer para as crianças e adolescentes que vivem nas ruas, totalmente vulneráveis a entrarem nesse mundo sem volta”, enfatizou a vendedora.
Imóveis sem registro
Outro grande problema nos aglomerados de Montes Claros é a falta de registro dos imóveis, que em grande maioria são construídos sem seguirem uma planta urbana, além de serem erguidos desordenadamente em um pequeno espaço de terra, colocando em risco a vida de quem habita esses locais.
A Registradora de Imóveis responsável pelo Ofício do 2º Registro de Imóveis de Montes Claros, Danielle Alves Rizzo, enfatiza que a falta de registro pode ocasionar vários problemas para quem adquire uma residência, uma vez que se esse imóvel não for registrado no registro de imóveis ele continua pertencendo ao vendedor.
“Há uma máxima do Direito Registral Imobiliário que diz: “Quem não registra, não é dono”, sendo assim, quando a pessoa compra um imóvel, por meio de escritura pública de compra e venda ou outro instrumento jurídico permitido em lei, enquanto essa compra não for registrada no Registro de Imóveis o vendedor continua figurando como proprietário do imóvel. A ausência dessa transferência de titularidade em nome do adquirente pode ocasionar inúmeros problemas para o comprador de boa-fé e permite que estelionatários possam agir com maior liberdade”, destaca Danielle.
A registradora pontua que os cartórios de imóveis vêm trabalhando junto com a administração municipal para viabilizar a regularização de residências, não apenas dos aglomerados, mas da cidade como um todo. Com a criação da Lei 13.465, de 11 de julho de 2017, os municípios ganharam um papel preponderante nos processos de Regularização Fundiária Urbana (Reurb). Os processos foram simplificados e flexibilizados, possibilitando até mesmo a realização da Reurb em áreas de litígio, desde que estas estejam as margens de um acordo judicial ou extrajudicial homologado por juiz.
“Os cartórios de Registro de Imóveis têm atuado como um apoio técnico para a realização da Reurb. Em Montes Claros, por exemplo, foram realizadas algumas reuniões com integrantes da Comissão de Regularização Fundiária da Prefeitura de Montes Claros, e mais duas cidades da região para alinhamento de procedimentos viabilizando o trabalho conjunto para a obtenção de resultados positivos e efetiva aplicação da referida lei. Para melhor contribuir com a municipalidade e com a sociedade, o Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais (CORI-MG) criou um setor de Regularização Fundiária Urbana, a fim de ofertar capacitação técnica para agentes públicos, como treinamentos, além de firmar parcerias para facilitar a regularização nos municípios”, ressaltou Danielle Rizzo.
Preconceito enraizado
A vendedora Maria de Lourdes Santos, de 66 anos, trabalha em uma barraca de legumes, verduras e frutas no Mercado Sul, localizado no aglomerado dos Morrinhos há mais de 39 anos. Ela conta que o preconceito por parte das outras gamas da sociedade é grande para com o que ela chama de morro.
“A maioria das pessoas veem o morro como um local de violência, mas eu que cresci aqui, onde criei minhas filhas sei que o morro não é assim. Os moradores que vivem mais para o centro da cidade têm um certo receio de virem aqui, isso por que carregam um preconceito e tem uma visão negativa do morro. Todos os lugares hoje têm violência não é só na favela, aqui também temos liberdade de ir e vir como qualquer outro lugar”, disse.
As grandes transformações advindas com o passar dos anos, também refletiu na questão econômica do aglomerado, principalmente relacionada ao mercado que foi reinaugurado neste ano de 2019.
“O mercado no início era ótimo, vendíamos bastante fazíamos compra duas vezes por semana, aqui era cheio de bancas, açougues, muitos produtores rurais vinham vender seus produtos, depois foi passando os anos as bancas foram acabando e hoje temos aí, duas ou três banquinhas que ainda resistem ao tempo vendendo muito pouco”, diz a vendedora.
Criação de projetos sociais que visam o desenvolvimento
Mesmo diante de tantos problemas sociais e econômicos, os aglomerados possuem lados positivos que precisam de apoio para sobressaírem diante de casos como: o de tráfico de drogas, gravidez na adolescência e a falta de opções de lazer e entretenimento para os jovens. Conclusões essas foram apresentadas pelo Mestre em Sociedade, Ambiente e Território, Guilherme Fonseca, que escreveu um artigo científico no ano de 2019, pautado na realidade de um dos maiores aglomerados do município, o Conferência Cristo Rei.
De acordo ele, algumas estratégias se mostram como poderosos instrumentos, que podem promover a justiça socioespacial, bem como gerar autonomia e autoestima em um grupo social vulnerável, como é o caso do CCR.
“Incluir entidades diversas, capazes de auxiliar o investimento em cursos que objetivem o desenvolvimento do empreendedorismo, e da inserção no mercado de trabalho são importantes estratégias para desenvolver uma cultura coletiva e autônoma e promover uma barreira preventiva contra a ‘cultura da rua’. No que tange à qualidade de vida, é necessário fortalecer as relações solidárias entre os moradores, pois facilitam a organização e reprodução social, inclusive potencializam a criação de serviços e comércios locais”.
Fonseca ainda destaca, “É evidente a necessidade de realizar obras urbanísticas em aglomerados para que as redes viárias sejam reorganizadas, integrando os aglomerados à rede urbana da cidade, visto que, uma obra desse tipo gera valorização das moradias, aumento da autoestima da população, inibe o comércio de drogas em pontos de venda ocultos, facilita o monitoramento da polícia em tais locais, bem como fomenta espaços de cultura e lazer, como quadras e academias ao ar livre”.
*Estágiario Dihemeson Faria, sob supervisão do editor