A infância pode ser vendida? A quem interessa essa venda?

Basta abrir o Instagram para ver: meninas de nove anos com maquiagem de festa, meninos ainda no ensino fundamental reproduzindo falas de relacionamentos adultos, crianças transformadas em pequenos influenciadores. A infância, que deveria ser espaço de descoberta, brincadeira e imaginação, tem sido abreviada por fenômeno cada vez mais visível — a adultização infantil

A palavra “infância” vem do latim infantia, derivada de infans, infantis, que significa literalmente “aquele que não fala” (in = negação + fari = falar). No mundo romano, a infância era entendida como a fase em que a criança ainda não possuía fala plena, ou seja, não tinha voz no espaço público.

Curiosamente, mesmo séculos depois, a etimologia nos provoca: não seriam as crianças de hoje, adultizadas antes do tempo, também privadas de voz? Ao impor padrões e responsabilidades que não lhes cabem, a sociedade silencia a infância — tanto no sentido etimológico quanto no social.

Basta abrir o Instagram para ver: meninas de nove anos com maquiagem de festa, meninos ainda no ensino fundamental reproduzindo falas de relacionamentos adultos, crianças transformadas em pequenos influenciadores. A infância, que deveria ser espaço de descoberta, brincadeira e imaginação, tem sido abreviada por fenômeno cada vez mais visível — a adultização infantil.


Não se trata apenas de detalhe inofensivo. A cobrança precoce por padrões estéticos, comportamentos e responsabilidades que não pertencem a essa fase da vida comprometem o desenvolvimento psicológico e emocional das crianças. A consequência é uma geração que cresce sem viver plenamente sua idade, experimentando cedo demais ansiedades que deveriam pertencer ao mundo adulto.

O que move esse processo? A pressão das redes sociais, a publicidade voltada para o público infantil, a própria pressa de sociedade que valoriza a performance acima do tempo de crescer. É a lógica da miniatura: crianças vestidas como adultos, mas ainda sem maturidade para compreender o peso dos papéis que lhes são impostos.

Não por acaso, esse seria tema perfeito para a redação do ENEM. O exame tem buscado pautas que envolvam direitos humanos, educação e mídia — e a adultização infantil dialoga com todos esses campos. Mais do que pedir análises, exigiria dos candidatos reflexão ética: qual é o preço de roubar a infância? A infância pode ser vendida? A quem interessa essa venda? Quem a compraria?

Sendo assim, se o Brasil deseja garantir futuro saudável para seus jovens, precisa começar pelo óbvio: deixar que as crianças sejam crianças. Preservar a infância, portanto, é devolver a esse termo sua força original: o direito de não precisar falar como adulto, o direito de viver a linguagem própria do brincar e do imaginar.