… Dedico a Daniel Antunes e Haroldo Santiago.
É por meio das duas linhas narrativas que o meu texto confronta o encontro entre a cultura oral (representada pelo relato dos velhos habitantes da região percorrida pela Coluna Prestes) e cultura letrada (representada pela narrativa oficial e também pelos escritores), revelando a problemática convivência entre culturas de tradições distintas nas sociedades da nossa região).
Há, por um lado, a oralidade, forma de veiculação de grande parte dos moradores), marca cultural e sua forma primeira de transmissão de conhecimentos.
Por outro lado, o sistema letrado, herança imposta deixada pelo sistema que faz com que a transmissão, armazenagem, e a própria relação dos indivíduos com o conhecimento seja completamente distinta.
Recentemente fiz uma viagem pela região dos meus pais, começando por Salinas em MG passando por Taiobeiras, Rio Pardo, São João do Paraíso, até Condeúba, Tremendal, Urandi – BA, terra das meus avós e que faz parte das histórias que ouvia na minha infância e na minha adolescência.
Passando por lá veio tantos sentimentos, tantas emoções e tantas memórias, que não sei definir o que senti.
Foi como se minha própria infância voltasse no tempo, e este chão que é um lugar que me conta histórias, que me fez ser escritor. E este reencontro agora me fez chorar.
Meus avós me contavam que na década de 1920, no Brasil, quando meu pai tinha 17 anos, ainda muito jovem, ele viu o Brasil experimentar uma crise possuidora de contornos econômicos, políticos e sociais.
Politicamente, a crise tem sua faceta com a eleição para Presidência da República de Arthur Bernardes, político mineiro, filiado ao Partido Republicano Mineiro (PRM) e ex-governador de Minas Gerais.
Esse viés da crise conjuntural articula economia e política, ainda na campanha eleitoral, quando eclode o episódio das “cartas falsas”, no qual Arthur Bernardes foi acusado da autoria de cartas publicadas na imprensa contendo ofensas aos militares, tendo como foco o Marechal Hermes da Fonseca.
Mesmo que, ainda durante a campanha eleitoral tenha ficado comprovada o forjar das tais cartas, a objeção ao nome de Arthur Bernardes, nos meios militares, tornou-se irreversível.
Desse modo, sem que ao menos tivesse sido eleito, Arthur Bernardes já contava com ferrenha oposição de grande parte dos militares.
Socialmente, a crise se evidencia, dentre outras coisas, pelo desdobramento da crise política.
Quando assume a Presidência da República, em 15/11/1922, Arthur Bernardes encontra uma sociedade que houvera experimentado, em julho de 1922, um movimento que ficou conhecido como o levante dos 18 do Forte.
Inconformados com a eleição de Bernardes, com o fechamento do Clube Militar e com a prisão do marechal Hermes da Fonseca, ordenados por Epitácio Pessoa (antecessor de Arthur Bernardes), jovens militares, em número de 17 e um civil protagonizaram o primeiro movimento Tenentista, assim chamado em decorrência de ser composto por jovens oficiais, em sua maioria, tenentes.
A intenção era depor o governo federal. O movimento foi rapidamente debelado.
A posse de Arthur Bernardes, em novembro de 1922, dá-se com o país vivenciando um Estado de sítio.
Mesmo tendo existido punição aplicada contra os oficiais rebeldes, em julho de 1924, em São Paulo, na capital, o Tenentismo voltou a se manifestar, havendo repercussão em outros estados da União.
Durante três semanas, a cidade de São Paulo ficou sob controle dos militares rebelados.
Todavia, sem condições estruturais para impor enfrentamento às tropas federais, os insubmissos se retiram da cidade e do estado.
No estado do Paraná, encontra-se a coluna paulista com coluna gaúcha, comandada por Luís Carlos Prestes.
Da junção de ambas as colunas, nasce a Coluna Prestes.
Esta, por sua vez, por cerca de dois anos, empreenderá peregrinação pelo interior do país, buscando insuflar a população contra o governo de Arthur Bernardes.
O agir da Coluna Prestes não se assentava em ideologia socialista. Ou seja, não havia a pretensão de arregimentar forças para empreender revolução e tomar o poder, estabelecendo o implante de novos paradigmas contrapostos ao modelo capitalista.
Ademais, mesmo que já houvesse uma classe trabalhadora no Brasil em termos marxianos, esta se mostrava ainda incipiente, mesmo que, em 1917, tivesse promovido a primeira greve geral de trabalhadores no pais.
Esta movimentação da classe trabalhadora, é dura e violentamente combatida pelo aparelho repressor do Estado (na ausência de consenso, a força é evidenciada, como o afirma Gramsci), ainda que não trouxesse satisfação das reivindicações operárias, serviu para que se desse a transição, no seio da classe operária brasileira, da ideologia anarquista / anarco-sindicalista para a socialista. Isso se verifica com a fundação, em 1921, no Rio de Janeiro, do Centro Comunista do Rio de Janeiro, embrião do Partido Comunista Brasileiro, fundado em 1922.
Assim, a ação da Coluna Prestes tratava-se, na verdade, da demonstração de insatisfação de segmentos da sociedade com o governo de Arthur Bernardes.
Em decorrência disso, o governo de Arthur Bernardes teve como tônica a repressão movida contra os setores oposicionistas, fossem ou não ligados aos militares, some-se a isto, a censura à imprensa.
Esse agir de força do Estado brasileiro vai se evidenciar, como uma espécie de “cereja do bolo”, com uma tentativa, por parte do poder central, de empreender cooptação das hostes cangaceiras lampiônicas, buscando-as utilizar para empreender combate à Coluna Prestes.
HISTÓRIA: A idealização do embate Lampião X Coluna Prestes: crise conjuntural na Velha República
José Ferreira Júnior
Serra Talhada – Pernambuco – Essa é parte da história escrita.
Já parte da história oral contada por Haroldo Santiago e Daniel Antunes, deixo registrado aqui nesta coluna: – Haroldo me relatou que quando a Coluna Prestes chegassem próximo a região da Bahia, ela toparia com Doca Medrado e Horácio de Matos que tinham muitos jagunços e capangas, eles viram que seriam derrotados e desistiram do trajeto.
Então uma parte do grupo debandou e parte dos membros da coluna compraram terras aí entre Minas e a Bahia e viraram fazendeiros.
As armas eles jogaram no Rio Pardo e os uniformes puseram fogo e usaram as roupas de civis.
Doca Medrado e Horácio de Matos são lendas do sertão norte mineiro e baiano.
Contam que Horácio roubou a filha de Doca que se casou com ela e para não haver o entrevero e muitas mortes eles fizeram as pazes e uniram forças e tornaram guardiões desse interior de Minas e Bahia sentido Lençóis do Rio Verde, hoje Espinosa passando também por Urandi Bahia, terra onde nasceu minha avó paterna.
Continua Haroldo, dizendo que o Pai dele( Arlindo Santiago), falava também que a Coluna Prestes passou muito longe de Lençóis com medo de Lampião, Horácio e Doca.
Cita Haroldo que quando ele era jovenzinho aí em Salinas leu um artigo de Veraldino Miranda, intitulado “Astúcia” um artigo que contava a história de um fazendeiro que fazemos de louco safou-se da coluna.
Seguindo a história oral conta Daniel, que os coronéis de Lençóis do Rio Verde contrataram Lampião e seus cangaceiros, buscando utilizá-los para empreender combate à Coluna Prestes em Lençóis do Rio Verde, hoje Espinosa e região, mas quando eles souberam que Lampião estavam aqui, eles desviaram para outras regiões.
Nesse momento, as caatingas sertanejas eram palco de atuação de Lampião e seus apaniguados.
O ano era 1926 e a Coluna Prestes continuava sua peregrinação, não lhe sendo dado combate eficaz.
Importa lembrar que nessa engrenagem era central a figura do coronel no processo de captação de votos, no uso do seu curral eleitoral, fixado em sua área de influência.
A habilidade com as armas de Lampião e seus sequazes teria sido fator preponderante à convocação, uma vez que os componentes da Coluna Prestes, em sua maioria, possuíam destreza com as armas e, ao seu enfrentamento, exigia-se, no mínimo, adversário que dispusesse de habilidade semelhante.
O conhecimento da topografia das caatingas e sertão que Lampião possuía, decorrente de sua vida de almocreve, anterior ao seu ingresso no cangaço, talvez tivesse falado alto no referente à sua convocação, visto que tal conhecimento poderia ser utilizado para ataques – surpresa à Coluna Prestes.
Após mais de um ano de luta, os membros da Coluna optaram por colocar fim à sua marcha.
Os motivos para isso eram o desgaste após tanto tempo lutando contra o governo e o término do governo de Artur Bernardes.
Com isso, em fevereiro de 1927, os membros da Coluna Prestes depuseram suas armas e exilaram-se na Bolívia.