“Sim”. Três letras que podem salvar diversas vidas. A campanha Setembro Verde, de conscientização sobre a doação de órgãos, incentiva a realização de inúmeras ações neste mês, cujo objetivo é único: que esta pequena palavra seja dita por mais famílias de possíveis doadores. O MG Transplantes, da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), participa ativamente da campanha todos os anos e, atualmente, está promovendo várias iniciativas para incentivar mais doações e menos recusas de familiares.
O número de transplantes em Minas Gerais vem aumentando – foram 1.573 procedimentos efetivados em 2020, 1.733 em 2021 e 2.003 em 2022 -, o que revela a retomada das doações com a estabilidade dos casos da covid-19 no país.
Porém, as estatísticas permanecem distantes do necessário para atender à demanda de transplantes no estado. A média de recusa para a doação de órgãos também cresceu: está em torno de 45%, sendo que, em 2019 (antes da pandemia) chegou a 25%.
Para a doação ocorrer, apenas a resposta positiva dos familiares é necessária – não é preciso deixar nenhum registro sobre esse desejo em vida. A lista de espera por órgãos e tecidos para transplantes em Minas somava, até julho deste ano, 5.949 pessoas.
Informação
De acordo com o coordenador do MG Transplantes, Omar Lopes Cançado, um dos principais motivos para a alta recusa de doações é a falta de informação. “As campanhas são de extrema importância, pois o grande público pode entender mais sobre o que é a morte encefálica, por exemplo. Isso ajuda para que, caso a pessoa tenha um familiar que seja um potencial doador de órgãos, simplifique a comunicação do diagnóstico a ela e, consequentemente, a tomada de decisão”.
Omar ressalta também a falta de diálogo sobre o assunto dentro da sociedade. “As pessoas precisam conversar mais, principalmente dentro de casa, e expor suas ideias a respeito da doação de órgãos. Levar informação à população faz com que o público dialogue mais”, opina.
Omar ainda destaca a necessidade de melhora dos índices de notificação de possíveis doadores nas unidades de saúde. “O diagnóstico de morte encefálica demanda muitos profissionais e exames complementares que não estão disponíveis em todos os lugares. É preciso que a rede estadual de saúde possa identificar estes pacientes”, completa Omar.
Por isso, em 2023, o MG Transplantes retomou os cursos de diagnóstico de morte encefálica, interrompidos durante a pandemia. Somente este ano foram treinados cerca de 450 médicos pelas equipes da instituição.
Lançamento da campanha
A Rede Fhemig realizou, em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), nesta sexta-feira (1/9), ação em prol da doação de órgãos. O evento, que abriu a campanha Setembro Verde, aconteceu em frente à praça Floriano Peixoto e contou com a presença de representantes de diversas instituições de saúde de Minas Gerais e de pessoas que já foram transplantadas.
“O setembro verde é uma das campanhas, de responsabilidade da Fhemig, de maior importância. Esperamos fazer – não só neste mês, mas durante todo do ano – um amplo trabalho voltado à sensibilização da população, que é essencial para a captação de órgãos” afirmou a presidente da fundação, Renata Dias. Ela aproveitou para lembrar ainda o aumento da taxa de recusa durante a pandemia. “Tivemos níveis muito baixos de doação durante a pandemia da covid-19. Neste primeiro semestre, conseguimos retomar mais de 30% e, com a campanha, esperamos conseguir alavancar ainda mais o número de doações”.
O secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti, também esteve presente e destacou a importância da campanha. “Viemos aqui hoje para lembrar sobre a importância de avisarmos nossas famílias e amigos que somos doadores. É um ato simples, que pode salvar as vidas de pessoas que estão aguardando na fila – hoje, somente em Minas, quase 6 mil pessoas esperam por um transplante”, disse Fábio.
O secretário ressaltou, ainda, o aumento da atuação de Minas Gerais na causa. “Recentemente, aprovamos a reformulação da nossa política de transplantes. Por muito tempo, os transplantes de pulmão e alguns realizados em crianças eram transferidos para outro estado, o que em breve não será mais necessário. Desta maneira, o estado vem aumentando a captação de órgãos e aumentando a agilidade do processo, atendendo mais pessoas e dando maior qualidade de vida a elas”, finalizou.
Superação
Psicóloga, escritora e pesquisadora, Ailla Pacheco, de 33 anos, levava uma vida normal, em 2020, quando, após um dia de muito trabalho, resolveu ir ao hospital devido a alguns desconfortos que sentia. Tratava-se de um quadro de hepatite fulminante. “Fui imediatamente internada com sepse (infecção generalizada). Parei de comer, andar, falar. Fui percebendo o meu corpo parar e morrer gradualmente. Em seguida, tive encefalopatia hepática, seguida de um coma. No hospital, tive 12 infecções, realizei três arriscadas cirurgias, seis procedimentos e tinha pouquíssimas chances de sobreviver”, lembra.
Apesar do quadro grave, ela nunca perdeu a esperança. “Naquele momento, no hospital, eu compreendi a importância da saúde mental que sempre cultivei e, sobretudo, da fé. Entendi que tudo o que eu havia ensinado para as pessoas ao longo dos últimos 15 anos, trabalhando com psicologia e autoconhecimento, eu precisava – mais do que nunca – cultivar em meu próprio ser”.
A situação começou a mudar quando, em 10/10/2020, quatro dias antes do seu aniversário, Ailla recebeu o transplante de fígado – no caso dela não seria possível a doação parcial do órgão, que pode ser feita por um doador vivo.
Após a cirurgia, a psicóloga continuou internada por mais dois meses e meio para reabilitação. “Foram 120 dias direto de internação, em que precisei lutar muito para enfrentar a morte e abraçar a vida. Após o transplante, foi necessário reaprender a andar, falar, respirar e comer. A reabilitação completa durou aproximadamente um ano. Hoje, tenho uma vida incrível. Reabri minha clínica, que foi fechada quando eu adoeci, e vou me casar em poucos dias. A gratidão ao meu doador e à sua família será eterna. Por meio dele, várias vidas puderam ser salvas e a sua luz continuou acesa aqui na Terra. Graças a ele, tenho uma vida que vale a pena ser vivida e compartilhada”, afirma, emocionada.
Ela, que hoje se dedica à causa e desenvolve estudos relacionados à saúde mental para pacientes transplantados, aproveita para reafirmar a importância da família autorizar a doação. “Um doador pode salvar até oito vidas. Transplante é um recomeço e tem muita gente esperando pelo seu sim”, alerta.
Coração novo
Linete Pinheiro da Costa, de 62 anos, sabe bem o que é a espera por um órgão. Em fevereiro de 2019, ela – que trabalhava e praticava atividade física regularmente – começou a se sentir esgotada e com falta de ar ao realizar pequenos esforços.
Preocupada, procurou por médicos de diferentes especialidades, até que o ecocardiograma, solicitado pelo cardiologista, apontou o problema. “Meu coração estava fraco, usando apenas 20% da sua capacidade para funcionar, sendo que o ideal seria mais de 60%. Não aguentei mais trabalhar e fui internada, pela primeira vez, durante oito dias. Iniciei um tratamento com vários medicamentos para fortalecer meu coração, já sabendo que uma hora seria inevitável o transplante”, conta.
No Natal de 2022, já muito grave, ela aguardava ansiosa pela doação do novo órgão. “É uma sensação de dependência. Esperamos pela generosidade de uma família para salvar a nossa vida”, desabafa.
No dia 21/2 deste ano ela, então, realizou o tão sonhado transplante e, após dois meses, finalmente teve alta do hospital.
Hoje, Linete vive uma vida quase normal, não fosse pelo acompanhamento médico constante e os fortes medicamentos que precisa tomar. “Uma das coisas que quem está morrendo mais valoriza é a vida. Ter a chance de poder continuar aqui é um milagre. Por isso, a atitude do familiar que autoriza a doação dos órgãos do seu ente querido é nobre, uma bondade que não tem preço. Levanto todos os dias agradecendo por ter tido mais uma chance”, conclui.
Treinamento
Saber se comunicar com as famílias também é fundamental. Para isto, o MG Transplantes também oferece um curso, direcionado para profissionais da saúde responsáveis, por exemplo, por informar sobre o óbito de um ente querido e como funciona o processo de doação de órgãos.
“O curso ensina o profissional a como se proceder nesse momento e o que se deve falar para deixar as pessoas mais confortáveis ao serem abordadas. Nós não tentamos convencer ninguém de nada. O curso é muito mais informativo, damos os meios para que a pessoa possa tomar decisões”, explica Omar.
Busca por potenciais doadores
Com o objetivo de viabilizar Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos (Cihdotts), equipes multiprofissionais responsáveis por identificar potenciais doadores dentro das instituições de saúde, o governo estadual aprovou incentivo financeiro para os hospitais que se candidatarem e cumprirem os requisitos mínimos para tal.
Segundo Omar Lopes, o valor pode chegar a R$ 10 mil, dependendo do número de doações que o hospital conseguir. “É um cofinanciamento, já que essas atividades também são financiadas pelo Ministério da Saúde”, explica o diretor do MG Transplantes.
Sobre a doação de órgãos
A doação pode ser de órgãos (rim, fígado, coração, pâncreas e pulmão) ou de tecidos (córnea, pele, ossos, válvulas cardíacas, cartilagem, medula óssea e sangue de cordão umbilical).
A doação de alguns órgãos como rim, parte do fígado e da medula óssea pode ser feita em vida. Um único doador pode salvar mais de dez pessoas.
Para a doação de órgãos de pessoas falecidas, somente após a confirmação do diagnóstico de morte encefálica é que o procedimento pode ser realizado.
O mais comum é que aconteça com pessoas que sofreram algum tipo de acidente que provocou traumatismo craniano ou que foram vítimas de um acidente vascular cerebral (derrame) e evoluíram para morte encefálica – interrupção irreversível das atividades cerebrais.
Dúvidas da população podem ser esclarecidas pelo telefone 0800-2837183 ou na página www.saude.mg.gov.br/doeorgaos.