Começar fazer uma poesia, escrever uma historia ou uma coluna para um portal, é um momento encantador e mágico, em que tudo é possível. No início o texto é ainda uma semente, não se sabe que árvore e que flor se esconde nele…
Para não ficar dúvida, eu sempre parafraseio, comento, explico, esclareço, interpreto, traduzo Mia Couto.
Eu escrevo porque converso e escuto. E não só escutar a palavra, mas o silêncio do outro, o corpo, as pausas, os sonhos, esse é o segredo.
Conversando e escutando Délio Pinheiro e Michele Carvalho, percebi que durante a entrevista na Inter TV – MG1 Biblioteca, sobre a minha escrita, especialmente sobre o livro: A vila dos contadores de historias, um livro encantador e eu, um discípulo dos mundos misturados do sertão de Rosa e da savana do africano Mia Couto.
O efeito imediato da leitura é o encantamento, somos literalmente enfeitiçados por ela.
Esse encantamento, muitas vezes, consegue amenizar o horror da destruição causada pela colonização e a seca no Cerrado em 1790, conhecida como 90tão narrada no livro: A vila dos contadores de historias.
E como disse Délio: – graças a uma linguagem extremamente poética que o autor faz do horror da colonização e da seca algo encantador.
Como cito no livro em um dos capítulos: nessa estrada de chão batido avistamos dois túmulos e duas cruzes, uma menina e uma mãe, que foram sepultadas em meio a uma seca que varreu o Cerrado na seca de 1790, conhecida como 90tão. Famintas, sem rumo ou esperança, não encontraram pelo caminho nem água, nem comida e morreram de fome e de sede, os corpos foram encontrados e sepultados no meio do Cerrado.
A narrativa fala das ruínas que essa seca deixou, dos escombros que ficaram pelo Cerrado e com os quais a população tinha que lidar.
E não só os escombros materiais, mas também os espirituais.
Durante a entrevista percebia que Délio mergulhava profundamente na memória passada, vivia interiormente acontecimentos dolorosos e trágicos, mas de inevitável regresso, banhados por reencontros e descobertas que lhe encheu também a alma de alegria e contentamento, uma vez que ele é escritor dessa região.
Ele sentiu que tudo isso se dá no ritmo de uma escrita pintada com cores tão delicadas e envolventes, que o leitor se esquece da sua condição de leitor e passa a viver cada passo da narrativa na mesma cadência de sentimentos e emoções do escritor-personagem em regresso ao Cerrado, sua terra natal, para um acerto de contas com um passado que se entrega à nossa memória: tanto eu queria viver essas lembranças que tenho agora.
É como voltar no tempo, e ouvir as histórias contadas à beira das fogueiras nos engenhos de fazer cachaça e rapadura.