O assunto é? Tempo bom!

Tela meu lugar, guache sobre tela de Jo Pinto

Sob a aragem fria das manhãs de neblina, nem se podia ver os campos, os pés molhados de orvalho, sob a barra da saia, caminhavam rumo ao dia . Aos poucos a paisagem, planícies vestidas de florinhas azuis, se inundava de sol. Ao longe, campos arados, os carreiros e suas juntas de bois. Na pequena casa de adobe, o fogão de lenha fazia as vezes do sol, aquecendo e alimentando os corpos. O quintal com suas velhas árvores, goiabeiras, abacateiros e mangueiras.

As jabuticabeiras, quando floridas, envolviam tudo de perfume adocicado. Logo os troncos enverdeciam, para depois enegrecer de esferas reluzentes que eram recolhidas em balaios de taquara para serem levadas à feira. A vida era simples, como se deve ser, o dia escorria lentamente, sem grandes acontecimentos. Para os adultos o trabalho começava antes do sol, iam para a roça ainda escuro, levavam uma marmita de tutu de feijão e a garrafa de café. Roçar, arar, carpir e semear a terra. Depois limpar a roça, meses de trabalho até a colheita de feijão, milho, mandioca, abóbora, andu.

A colheita também era árdua, cada roça exigia uma forma de fazer. O feijão era arrancado pelo pé, amontoado, transportado no carro de bois até o terreiro das casas, onde era espalhado a secar sobre lonas, depois de seco, era batido com o cambão, limpo, ensacado e guardado, parte para ser vendido, outra para consumo da casa. A mandioca só podia ser colhida quando apareciam rachaduras em torno da planta, eram as raízes potentes que após arrancadas eram lavadas, cortadas, uma parte era descascada e processada na casa de farinha, para renascer em farinha, goma, polvilho, beiju, biscoitos.

A feitura da farinha era um evento que reunia toda a comunidade. Ali contavam histórias e cantavam enquanto limpavam as raízes, descascavam, cortavam, depois lavavam a massa da mandioca para fazer seus variados produtos. Por fim, todo mundo comia os beijus amanteigados com café forte e doce. Na época da chuva o cheiro de terra molhada, os relâmpagos, o som do rio cheio, as galinhas escondidas debaixo do telhado tremendo de frio.

Quando o sol saia um pouco, o joão-de-barro começava uma casa nova nos galhos do Tamboril . Os animais também tinham seus modos próprios de vida, suas rotinas de sobrevivência e reprodução, num tempo pontual e sem calendários. Nós também não nos atínhamos a calendários, em nossa infância rural de banhos em barrocas de água barrenta, correndo nos campos azuis, inventando brincadeiras de ser feliz, num lugar e tempo que só existem na memória.

Texto por: Rosana Santos, correspondente desta coluna em Salinas/Professora de história no IFNMG/Salinas