O passo lento da formiga marca o compasso acelerado dos pés daquele senhor. Meia idade, meia vida, meios amores. Uma vida pela metade. Uma parte de um todo. Passava todos os dias pelo mesmo lugar. Enquanto carregava pequenos grãos em sua bicicleta, sorria para os transeuntes e oferecia milho para os pássaros. Sempre mais perto da sua chegada, seu passear encurtava todos os dias. Saia de casa e mal arredava da sua morada, as sementinhas já se acabavam. Talvez caíssem naquele chão ainda maduro, ou caduco o mundo não entendia o florir das estações. Não sabia o motivo daquele sumidoro, acreditava que a vida era assim… tirava e depois colocava. José, o passarinho mais velho daqueles lados, assobiava cedo; o sinal estava dado. Cada ave despertava na sua função. Uma picava o saco de grãos, uma abria buracos pela estrada, outra regava com cuidado aquele começo de tudo e a mais nova avezinha era responsável por esquentar aquele desejo que ainda era semente e alguns não sabiam como regar ou cuidar. Antes do clarear estava tudo posto. Quando o sol despertava naquele céu ainda infinito de sentimentos, José; agora em formato de gente saia cuidadosamente da cama, seguia seu ritual matutino quase de maneira perfeita, pegava sua bolsa, subia na bicicleta e ia para o seu caminhar. Durante sete décadas foi assim. Até que o tempo passou e fez lembrança daquela memória. Hoje, o que se conta é que depois da partida do seu José, no lugar daquela estrada só restou cores, um arco íris de tonalidades, vasto como um campo de flores a estrada não existia mais, assim como o ser voador, só ficou o caminhar. O velho, que agora era pássaro definitivo, no alto da montanha assobiava. A passagem toda colorida, cabia em qualquer pedacinho de gente que acreditava. Todos os dias de primavera era assim… ele morria semente e nascia flor.
Amapá. Oiapoque, 4 de janeiro de 2021