Coluna Sal da terra: mil tons de pele

… “grande crime do racismo é que anula, em nome da raça, o indivíduo”… Mia Couto e minha avó Dinha que me inspiram a escrever esta coluna.

Sou um mestiço, nasci do cruzamento de varias raças: negro, índio e europeu.

Sou de Salinas, um ser de encruzilhadas, sou dos vales e do cerrado, uma região que está em busca da sua própria identidade.

Essa é a minha voz, uma voz da diversidade, entre a escrita e a oralidade, entre a ciência e a ficção, entre os vales e o sertão.

Sempre convivi com meus avós. Sempre ouvi deles uma voz mais antiga, que me chegava em forma de causos e estórias. E morava ali e a vida continuava cheia de sonhos e promessas.

Uma das grandes buscas dos meus textos é a identidade. A outra é a memória na tentativa de escrever a minha própria história, tentando desconstruir o valor de historias mal contadas do passado.

Aí dialogo com a diversidade.

Meu pai nunca permitiu discriminação racial no meio da nossa família.

Originária e descendente de Cabo Verde, Angola ou Moçambique, a minha vó paterna Dinha, casada com Zé Santiago, descendente de europeu, me falava que iria chegar o dia em que aconteceria no Brasil crimes de motivação racial contra pessoas de cor negra.

O que tem acontecido em relação a ataques racistas da extrema-direita nos EUA, Europa e Brasil, necessita de uma resposta urgente das autoridades aos que trabalham incansavelmente para promover a justiça e desafiar o racismo.

A brutalidade e a frequência dos ataques estão a aumentar e a deixar todos nós inseguros, especialmente num contexto em que não se sentem protegidos pelas autoridades.

Para além da consciência negra, experiências de vida que relatei acerca da minha própria infância chamam a nossa atenção para um aspeto importante.

Desde criança convivendo com minha vó paterna, (Virginia Celestina Santiago- 1882/1965) ou vó Dinha do Bonfim, como disse Ana Lúcia Santiago, nasceu ela do ventre da chamada Lei Áurea em 1888. Fui aprendendo que o problema do racismo é enxergar a raça e não o individuo”. Temos que reconhecer que todos somos humanos.

Racismo é coisa que se aprende. Então não ensine. Vencer o racismo implica, também, reforçar em muito em vencer o ódio e o preconceito.

Foi ela que me falou ser o Brasil o último país das Américas a abolir o regime escravista.

Foram 358 anos de escravidão, e os 129 anos sem ela não conseguiram apagar essas marcas.