PM prende advogado suspeito de envolvimento em confronto com FNL

O advogado da fazenda Norte-América, em Capitão Enéas, foi preso na madrugada desta sexta-feira (9), suspeito de participação no confronto que deixou um homem baleado e outras cinco pessoas feridas. De acordo com a Polícia Militar, Robson Lima, foi encaminhado à delegacia de Montes Claros, onde ele e os outros, sete presos, serão ouvidos e a suspeita é que os responsáveis pela propriedade tenham articulado o crime.

O Portal de Notícias Webterra tentou contato com a gerência da fazenda, mas as ligações não foram atendidas até a publicação desta reportagem.

Cerca de 120 integrantes do movimento Frente Nacional de Luta de Campo e Cidade (FNL), que ocupam a fazenda, estavam na sede da propriedade, quando um grupo chegou em um caminhão-baú e desceu do veículo atirando contra os ocupantes da fazenda, que revidaram o ataque.

Patrícia Coimbra, uma das integrantes do movimento, afirma que todo o ataque foi articulado pelos donos da propriedade e que o FNL soube disso e procurou a polícia, mas não conseguiram evitar o confronto.

“A gerente da fazenda, um dia antes estava em Montes Claros, articulando com bandidos o ataque contra os acampados. Ela veio junto com o advogado e vários bandidos dentro de um baú, eles entraram na fazenda e começaram a efetuar o disparo, nós passamos a situação para a polícia de Capitão Enéas porque ficamos sabendo antes do ataque, mas eles não fizeram nada para evitar e ficamos à mercê do ataque”, denuncia.

A Polícia Militar confirmou que o líder do movimento, Thiago Coimbra, de 32 anos, procurou a polícia afirmando que recebeu a informação de que o irmão do dono da fazenda teria contratado cerca de 20 criminosos do bairro Esplanada, em Montes Claros, para invadirem a fazenda e matarem os líderes do movimento. Ele disse ainda que teriam sido pagos R$ 1 mil para cada homem que participasse da ação e que todos eles chegariam em um caminhão-baú e mais três veículos de passeio.

A PM afirmou ainda que assim que receberam a informação, enviaram equipes em seis viaturas para o local, mas antes de chegaram até a fazenda, receberam diversas ligações informando sobre um massacre na fazenda e que muitas pessoas estariam feridas.

Além disso, próximo a fazenda os militares encontraram uma pessoa caminhando e um veículo na estrada. Quando abordaram o veículo, nele estava o líder do movimento já gravemente ferido, ele ainda tentou conversar com os militares e repassou que Anderson Barbosa teria atirado contra ele. Os militares foram em busca do acusado que ao avistar a viatura, fugiu pelo mato e logo em seguida retornou com as mãos para o alto, afirmando que era trabalhador.

Os militares informaram ainda que a gerente da fazenda estava próxima ao acusado de atirar no líder do FNL e que ao ser questionada sobre o que estava fazendo, ela disse que recebeu a informação de um militar da cidade que aconteceria um acerto de contas na fazenda e que um policial civil havia lhe dito que um traficante, acompanhado de comparsas estaria cobrando uma dívida e mostrou aos militares o áudio do policial. De acordo com a PM, devido à urgência do caso, a equipe seguiu para a fazenda.

Feridos

Para socorrer as vítimas, o Serviço de Atendimento Móvel e Urgência (Samu), acionou o Código de Múltiplas Vítimas, policiais militares ajudaram no socorro e ainda, a aeronave da PM esteve no local.

A PM informou que precisaram cortar cercas para as entradas das viaturas e que ao entrarem na sede da fazenda encontraram pessoas feridas, amarradas com cordas.

O líder do movimento, Thiago Coimbra, foi atingido por disparos na perna e no tórax. Inicialmente, ele foi levado para o Hospital e Santa Casa Nossa Senhora da Guia, em Capitão Enéas e, em seguida, encaminhado para Montes Claros. Segundo a assessoria da Unidade, ele passou por cirurgia e respira com ajuda de aparelhos; o estado de saúde é grave.

Além dele, outras cinco pessoas sem ferimentos causados por arma de fogo, foram atendidas no hospital de Capitão Enéas e liberadas. As vítimas eram, Israel Ferreira Lúcio, de 40 anos; José Felizardo Cunha, de 76 anos; Maria Joana Sores Ferreira, de 59 anos e dois adolescentes de 15 e 17 anos. Todos com ferimentos leves causados por coronhadas.

“Eles entraram agrediram as pessoas, atingiram crianças, tem crianças até agora no mato, quebraram carros e todo o terror que poderiam fazer, eles fizeram, mandaram amarrar as pessoas, mulheres, senhoras e idosos apanharam. Todos foram muito agressivos, inclusive o advogado e a gerente da fazenda, eu não os vi, mas os nossos companheiros viram e todos os conhecem, eles bateram e mandaram amarrar todo mundo, a gerente queimou todos os documentos”, relata Patrícia Coimbra.

Prisões

A PM informou que a sede da fazenda estava totalmente revirada e havia uma fogueira com objetos e documentos dos ocupantes queimados. Ainda segundo a PM, no momento em que os policias estavam na fazenda, Robson Lima, se apresentou como advogado da propriedade e no bolso dele os militares encontraram um distintivo de polícia.

Outros seis homens que se identificaram como funcionários da fazenda, foram reconhecidos pelos integrantes do FNL como pessoas contratadas pelos donos da fazenda e foram presos. São eles: Anderson Barbosa de Souza, de 30  anos; Wesley Genilson Pereira da silva, de 18 anos;  Orismar Alves Maranhão, de 42 anos; Tarcílio dos Reis, de 53 anos; Edvaldo Ferreira dos Anjos,  de 32 anos; Antônio Costa Reis, de 52 anos e José Arlencerle Rodrigues, de 33 anos. Todos eles sem lesões.

Com o grupo, foi apreendia uma garrucha de fabricação artesanal. Já com Anderson Braga, acusado de tentativa de homicídio contra o líder do FNL, foi apreendido um cartão de memória, um pen drive e R$400.

Após estas prisões, a PM continuou o rastreamento e em uma estrada vicinal que dá acesso a LMG-657, conhecida como Estrada da Produção, abordaram um caminhão, de cor branca, conduzido por um homem conhecido como “Guga”, que seria o responsável por transportar os autores da ação.  Dentro do veículo, foi encontrada uma touca ninja, um rádio comunicador, dois celulares e R$270.

Guga disse para os militares que recebeu R$400 de um homem chamado Júlio César, para dar fuga aos criminosos, mas que já havia gasto parte do valor e que levaria o veículo a outra fazenda. O homem relatou ainda que, o advogado da fazenda teria reunido com autores da ação, a portas fechadas, para tratar sobre o crime.

A PM foi até a fazenda onde o veículo seria levado e não encontraram nada ilícito.  O dono da propriedade alegou que no mesmo dia entregou as chaves da fazenda para o advogado Robson Lima, que teria dito que gostaria de passar uma noite no local. O dono da fazenda afirmou que não sabia que Robson teria repassado as chaves para outra pessoa e que não conhece o homem apelidado de Guga e era a primeira vez que entregava as chaves para o advogado.

Já na delegacia, foi verificado que Edvaldo Ferreira dos Anjos, detido por envolvimento no crime, possui passagens por homicídio tentado, José Arlencerle, possui passagens por roubo, tráfico de drogas, receptação e acidente de trânsito e Robson Lima, passagens por lesão corporal e posse ilegal de arma de fogo. Já Orismar Alves Maranhão e Antônio Costa, são do Pará e Maranhão, sendo assim, a ficha deles ainda não foi finalizada.

No total foram apreendidos o caminhão baú, uma garrucha, cinco celulares, três cápsulas deflagradas cal. 12, três cápsulas deflagradas cal. 20, uma cápsula deflagrada cal. 38, dois cartuchos cal. 38, seis isqueiros, um distintivo de polícia, um rádio comunicador, uma touca ninja e dinheiro. Todo o material foi entregue a delegacia de Montes Claros, juntamente com os presos.

Todos os envolvidos estão sendo ouvidos nesta sexta-feira, pela Polícia Civil de Montes Claros.

Comitê de Apoio a Luta Pela Terra 

O confronto na fazenda Norte-América gerou um debate nacional e o Comitê de Apoio a Luta Pela Terra divulgou uma nota afirmando que a ação foi a mando dos donos da fazenda e que “convoca a todos os democratas, intelectuais honestos, estudantes, professores, entidades de luta a exigir que os pistoleiros e aqueles que ordenaram este crime respondam pelos seus atos e apoiar as famílias acampadas e os companheiros da Frente Nacional de Luta”.

Entenda o caso

A Fazenda Norte-América foi invadida em janeiro de 2017. À época da ocupação, o movimento divulgou que cerca de 150 famílias participavam da ação e afirmaram que a fazenda possui cerca de três mil hectares e pertenceria à Associação Educativa do Brasil (Soebras), que segundo eles, teria arrematado a fazenda em um leilão, devido a uma dívida da fazenda com um banco federal, que ainda não foi paga.

A Soebras, na época, divulgou nota negando que ela ou os fundadores da associação sejam os proprietários da Fazenda Norte-América e afirmou ainda que a fazenda possui convênio com a Soebras para as aulas práticas dos cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia.

Após a invasão, foi acordado que os participantes do movimento ficaram em um espaço da fazenda e não na sede, mas no dia 18 de fevereiro, cerca de 100 pessoas integrantes no Movimento Frente Nacional de Luta a sede e permanecem no local.

Desde a invasão da sede da propriedade as denúncias de agressões feitas pelos responsáveis pela fazenda são grandes. No dia 20 de fevereiro a administradora registrou um boletim de ocorrência alegando que havia sofrido uma tentativa de homicídio, por parte de um dos líderes do Frente Nacional de Luta Campo e Cidade.

A Polícia Militar foi até a sede da fazenda com o objetivo de localizar o líder do movimento, que no dia não foi encontrado. Os militares apreenderam armas e diversas munições calibre .44; .38; .36; .22 e .12.

Um dia antes (19), a administradora disse que foi covardemente agredida pelos militantes da Frente Nacional de Luta.

“Eles me deram muito pontapé, coronhada na cabeça, bateu em mim de facão, que deixou cortes nas minhas costas. Além de vários chutes que deixaram muitos hematomas. Sinto muita dor, muita dor”, disse ela no dia do fato.

O Dirigente Estadual da FNL, respondeu no dia, afirmando que não houve violência.

“A nossa ocupação se deu de forma pacífica como o movimento exige e cobra de toda a militância. A terra está improdutiva há muitos anos, é improdutiva e é usada para lavagem de dinheiro. Reocupamos a Fazenda e o nosso intuito é produzir alimentos livres de agrotóxicos, de todo o veneno que o latifúndio produz.  A ocupação foi pacífica, ao contrário do que as pessoas divulgaram, não aconteceu nada disso”, pontua.

Após o confronto desta quinta-feira (8), a fazenda continua ocupada.

“Nós continuamos, a posse é nossa, a área é nossa, eles queriam tomar na marra porque na Justiça não conseguem nada. Continua o mesmo número de pessoas e o pessoal da FNL de Brasília vão tomar todas as providências”, afirma Patrícia Coimbra.