Coluna Vida em Sociedade: consagrada cura

O que temos guardado conosco? Juntamos tantos materiais inservíveis, não é mesmo? Quando voltamos nossa atenção a tudo que temos em casa, por exemplo, enxergamos que temos e colecionamos muito mais do que precisamos! E não é difícil perceber isso.

Basta abrirmos as gavetas dos armários, do guarda-roupas, das estantes ou mesmo da escrivaninha. Quanta coisa inútil empilhamos e somente refletimos a respeito quando o local já está expelindo papel, plástico e outras bugigangas por todo lado. Sem falar no quarto o qual chamamos de despensa.

Ali com certeza já não se encontra mais nada, tudo está “de pernas pro ar”. E se começarmos a remexer as malas e tudo que lá está, a poeira se levanta e é quase um sufoco! A despeito disso, tudo que está materialmente ao seu redor também pode refletir o seu interior. “Com o tempo, a poeira das nossas experiências, do nosso conhecimento, da vida que vivemos, do passado, vai se acumulando.

Essa poeira se torna o ego. O ego é apenas uma crosta sem vida em volta de você, ela tem de ser quebrada e abandonada a todo momento, para que essa crosta não se torne uma prisão”, é o que expressa o mestre indiano Osho.”

Outrossim é que muitos de nós temos conservado tudo o que encontramos por aí, sejam pensamentos, sejam marcas de dor, sejam fortes emoções do dia. E até mesmo podem estar marcados por episódios de vácuo, de um vazio na existência. E neste diapasão para preenchermos nossa mente, estamos a incorporar pedaços e estilhas, cacos como em uma montagem de um quebra cabeça virtual.

“As ideias das pessoas são pedaços da sua felicidade, nos relata o dramaturgo inglês William Shakespeare”. Pode ser que estejamos em busca de novos horizontes; que tropeçamos ao amanhecer de mais um dia e descobrimos que há mais do que as quatro paredes que até então pareciam nos envolver.

Há um leve transpirar súbito e dito que parece sussurrar nos ouvidos para libertar as interrogativas. E carecemos transcender a personalidade inócua para que seja compreendida como uma singular em meio a tantas que habitam o universo e que pareciam orbitar a nossa volta.

E é no limiar do triunfo que mais uma vez percebemos que há um valor maior do que o de apenas guardar. Há uma misteriosa sensação de tranquilidade e de frescor que invade a mente e o corpo humano quando então realizamos a ação poderosa e extraordinária de doar. A força da doação seja de se entregar para uma boa ação, seja mais uma vez trabalhar para o bem do outro; seja o oferecer de um pedaço de pão; ou o brilho que se provoca nos olhos de alguém quando o tratamos com respeito, dignidade e consideração.

Todo gesto de devoção ao próximo é uma riqueza que jamais poderemos tocar. São importâncias intangíveis, sacrossantas e inexprimíveis. Todavia o resultado provocado em um simples sorriso, em saber ouvir e contribuir para que outro se descubra como ser humano pode transformar e prevalecer por toda uma vida no consciente e subconsciente daquele que foi alvo, ainda que estivesse em um momento de fragilidade.

Aquele aceno será propagado e multiplicado não somente por um, mas por uma multidão ainda que esparsa e descontínua. A consequência do poder de se doar pode muitas vezes, além disso, ser a cura consagrada de quem a faz.  E nas palavras da escritora holandesa Corrie Ten Boom, “a medida de uma vida, afinal, não é sua duração, mas sua doação.”

(*) Capitão PM – Comandante da 210ª Cia/10º BPM.