Pandora Papers e a offshore do Paulo Guedes

Cartaz em São Paulo que critica o ministro Paulo Guedes e o caso das 'offshores', revelado pelo 'Pandora Papers'. Foto:Nelson Almeida (AFP).

Documentos vazados e publicados durante a semana passada revelam que o ministro da economia é sócio de offshore localizada em paraíso fiscal.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi apontado como sócio de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal localizado no Caribe. A revelação foi feita pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) e é baseada em um vazamento de informações, chamado Pandora Papers, que conta com mais de 11,9 milhões de documentos.

A situação causou grande rebuliço no mercado financeiro nacional e levantou alguns questionamentos na mídia. Mas afinal, há conflito de interesses e a prática é ilegal?

Os dois questionamentos são pertinentes, mas devem ser analisados aquém de ideologias e posições políticas.

Há conflito de interesses? Sim, claro que há! O que Paulo Guedes deveria ter feito, ao se tornar ministro, era transformar seu fundo offshore em um Blind Trust, em que o proprietário não tem qualquer controle ou ciência sobre as posições do fundo, e fica impedido de interferir em sua gestão, já que a mesma passa a ser profissional. O ex-ministro da economia Henrique Meirelles fez isso quando assumiu o cargo, em 2016, por exemplo.

Se Paulo Guedes não o fez, nem tomou qualquer outra medida de mitigação de risco de conflito de interesse – conforme recomendado pela Comissão de Ética Pública – CEP, deve ser responsabilizado, com as devidas sanções legais.

Cartaz em São Paulo que critica o ministro Paulo Guedes e o caso das ‘offshores’, revelado pelo ‘Pandora Papers’. Foto:Nelson Almeida (AFP).

Por outro lado, dizer que Guedes “desvalorizou o Real de propósito para ganhar dinheiro” a partir de seu cargo de ministro, já é se empolgar demais na vontade de criticar.

O ganho de aproximadamente 15 milhões de reais que ele obteve no período do mandato com essa posição externa é de natureza cambial, e é teórico. Se o investimento for liquidado e o valor for repatriado, há ganho em reais. Caso isso não ocorra, não há ganho.

Outra questão que deve ser levada em conta é que esta offshore é um fundo familiar que ele tem com sua filha, provavelmente com objetivos de planejamento sucessório, de mitigação de riscos domésticos sobre a carteira total da família, e de elisão fiscal. O fundo foi constituído em 2014, sem qualquer relação com o cargo de ministro, e aparentemente não há interesse de repatriação a curto prazo.

Além disso, a maior parte do ganho cambial teórico percebido no período do mandato é fruto da conjuntura internacional ou de problemas domésticos que aconteceram à revelia da atuação de Guedes como ministro. Uma parte menor, é verdade, foi devido a políticas econômicas inerentemente ligadas ao seu cargo de ministro.

Trabalhando na iniciativa privada, onde estava antes de se tornar ministro, ganharia mais do que isso no mesmo período de tempo. Vale a pena ponderar se o ministro realmente iria arriscar ser responsabilizado criminalmente ou ter sua imagem manchada para sempre por causa de um valor inferior ao que ganharia se continuasse a atuar na iniciativa privada.

Enfim, há a crítica correta e a crítica errada. E há também a discussão que este caso realmente deveria suscitar: será que, em vez de recomendar, a Comissão de Ética Pública – CEP não deveria exigir medidas que evitem conflito de interesse dos membros dos governos?